“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

CETIM (fragmentos)


Ele orou sobre a cabeça dele e sobre a cabeça dela. Uns laços de cetim flutuaram no espaço. A angústia de anos soltava-se dos peitos oprimidos e estremecidos pela fuligem seculare. Fluíram líquidos amores... O ofegar fez apagar as velas, e o leito disfarçou-se de gelo-neblina.

Caminharam até um poste, este apagado. Apenas a Lua escarlate sobre eles a latir no céu manso. Estrelas amordaçadas num lamentar silencioso e triste, puseram-se a observá-los. Eles passearam por ali deixando Esperanças. Ele, porém, nunca calculava o Tempo. Haveria de nascer novamente. E nasceu. Ainda despia de si os resquícios dos Ontens.

(...)

– Ó Lua, escrava das atmosferas...

Baixava Ela até a Azul-Terra do firmamento, deixando as nuvens enciumadas – derramaram-se sobre os chãos! A Vitória. A pena dele não mais era nele. Ela agora escrevia.

Escrevia enquanto andava,
Escrevia enquanto sorria,
Escrevia enquanto sonhava,
Escrevia enquanto dormia...
Quase fora atropelada por um cometa desavisado, passou rente à calçada.

Ela escrevia num pedacito de papel cem borboletas desenhadas. Mas na vida todos devem dar conta do que escrevem... e borboletas elegem uma flor para beijarem.

Ela já escolhera sua Flor.

(...)

O primeiro gato apareceu – velho e dourado.
O segundo gato apareceu – criança e cristalina...
O terceiro gato apareceu – jovem e amordaçado.

Então Ele juntou Esperanças dos chãos – suas mãos não mais vazias, pois. Folhas escritas por Ela. Tudo numa noite onde a Luz escarlate lunar flutuava navegantemente lânguida.

(...)

Eles eram!
Gritaram com todos os membros do Corpo, dilatando os pulmões às estremecidas!
Pernas soltas leram o que não podia ser lido.
Fizeram o que não poderia ser feito.
– Liberdade!
– Liberdade!

(...)




Tritão conquistador!



(...)



Um Sol alado refugiava-se nos ventres deles.
Amor pousado nas águas... Brincava nas ondas.
Tudo isso ele orou sobre a cabeça dele e sobre a cabeça dela.
Recomeçaram a viver...

Casaram-se naquela madrugada

(...)

Os lençóis amassados foram testemunhas do enlace...
Fitas de cetim.


Katiuscia de Sá
Em:
01/08/2009

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