“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

NPD do IAP incentiva produção audio visual local.


Há 4 anos desenvolvendo um trabalho importante em produções audiovisuais no Norte do país, o Núcleo de Produção Digital (NPD) de Belém, localizado no Instituto de Artes do Pará (IAP) ajudou a qualificar mais de 800 profissionais e desenvolveu um trabalho de incentivo em diversos projetos, como os curtas de ficção “Diário de Célia”, “Devorados”, o vídeoarte “Cromoverdose”, entre muitos outros.

Desde agosto o público interessado em concretizar seus projetos, tem a oportunidade de realizar produções de imagem e som e edição com equipamentos profissionais, cedidos pelo NPD Belém conforme o regulamento do Edital de Utilização dos equipamentos do Núcleo de Produção Digital / IAP lançado no Diário Oficial e disponível no site do IAP (www.iap.pa.gov.br).

O lançamento do Edital torna real a democratização da produção audiovisual da região Norte do país, dando chance ao público em geral de realizar projetos que sejam dos gêneros: documentário, ficção, clipe, vídeoarte, experimental e animação. As inscrições para uso dos equipamentos são gratuitas e a pauta disponível para uso do equipamento estará aberta até 20 de dezembro de 2011 e deverão ser feitas 15 dias antes do período solicitado.

Como primeira usuária beneficiada pelo edital, Katiuscia de Sá, diretora de curtas metragens, falou sobre a importância do Núcleo de Produção Digital do IAP para a produção local:

1-Qual a importância do edital do NPD para a comunidade em geral?

Eu acho muito importante a abertura de um edital assim, pois muita gente produz vídeo de forma independente aqui no Pará, e se você deseja experimentar algo diferente, fora da academia e se você quer explorar uma proposta de direção mais contemporânea ou até mesmo mais experimental, seja pela ousadia ou loucura do roteiro, você não consegue patrocínio, então uma ilha de edição completa como essa do NPD que você utiliza sem custos adicionais é um ponto importantíssimo para a conclusão do seu trabalho, é fantástico!. Eu achei muito providencial esse edital, pois eu estou com esse meu material já faz mais de um ano para editá-lo, e com uma ilha de qualidade como essa do NPD onde você pode utilizar sem o aluguel (que para um projeto com pouca grana sairia oneroso caso fosse utilizar uma ilha de produtora), é muito bom sem duvida! Sem falar na parte institucional do apoio onde o NPD-Pa entra, o que também dá um peso maior para o seu filme.

2-Como ficou sabendo do edital de utilização?

Desde junho eu aguardo a publicação e sempre entrava em contato com Galindo (gerente do núcleo), perguntando sobre como eu poderia utilizar essa ilha pra editar meu curta. Sabia da entrega desse material para o NPD desde o final do ano passado. Eu já tinha essa expectativa para utilizar esse espaço, mas ainda tinha a problemática de que há poucos profissionais capacitados a utilizar o programa profissional de edição de video (Final Cut) aqui em Belém, e a mão de obra que mexe com isso já está praticamente trabalhando nas TV’s e nas agencias de publicidade. Além do que, custear um profissional desse porte sai um pouco caro, considerando a trabalheira que é editar um vídeo, eu já acompanhei e é meio chatinho..., mas quem trabalha com isso, gosta! Então, sobre o edital: Galindo me explicou que haveria a abertura desse edital agora pelo inicio do segundo semestre de 2011, e ele me orientou da papelada e os tramites legais que habilitariam meu projeto para a utilização desse espaço. Eu vim muito aqui no NPD conversar com Galindo para finalizar meu curta, já atrás da abertura desse edital. Se você não correr atrás, as coisas não acontecem. (rs)

3-O que representa a NPD e seus equipamentos para a realização do seu trabalho?

Representa uns 70% da realização de meu trabalho. Pois é como lhe falei, se você está com um projeto independente, você já baixa o custo mais da metade com o empréstimo do equipamento de filmagem e a utilização da ilha de edição, que é o meu caso, estou habilitada para a utilização da ilha para a captura, edição e finalização de meu curta. Futuramente pretendo pedir o kit do equipamento de filmagem, mas é um projeto mais adiante...

4-Como está o mercado de audio visual no Pará?

Olha, o mercado existe. Mas está meio tímido. Há muita gente talentosa, gente séria, com potencial e vontade de realizar seus trabalhos, mas o que impede são os custos dessa realização, e também a falta de patrocínio de empresas que acreditem nesse formato de arte como retorno para seus empreendimentos. Existe também a falta de politicas públicas estaduais mais eficientes para incentivar e bancar essas realizações. Já temos um ganho esse ano com a abertura do curso superior de Cinema na UFPA, que vai forçar uma mobilidade no mercado de áudio visual em Belém, eu acho..., acredito que isso irá redimensionar a configuração das realizações em vídeo na cidade, abrindo novas possibilidades de dialogo entre realizadores, produtoras e empresas particulares dispostas a apostarem nesse formato de mídia como retorno para seus investimentos. E também um ganho maior, sem duvida, a vinda de Galindo a frente do NPD, já acompanho a militância dele em favor do audiovisual no estado há um bom tempo, e Galindo é muito competente e PERSISTENTE nas coisas: ele vai, corre atrás, vira e mexe e faz as coisas acontecerem. Acho a presença dele fundamental a frente do NPD nesta nova gestão! Espero que continue essa abertura, onde o áudio visual do estado ganha muito.

5- O segmento do audio visual conhece o trabalho do IAP? De que forma? Como é visto?

Acredito que sim... pois já desde meados de 2009 o NPD vem realizando inúmeras oficinas capacitando pessoas ligadas ao audiovisual de Belém com instrutores renomados (diretores, produtores, roteiristas, etc), e isso vem contribuindo para a qualificação e aprimoramento de pessoas que por algum motivo não podem sair do estado em busca desse aprimoramento. Eu me lembro, acho que eu frequentei quase todas essas oficinas, inclusive participando do projeto EVA FAZ DE CONTA, que foi pelo NPD ano passado, onde os melhores alunos de todas essas oficinas estavam na equipe dessa produção. Esse acontecimento foi fundamental para nossa formação, pois experimentamos na real como uma produção cinematográfica funciona, como é o trabalho em um Set de filmagem, experimentamos todas as problemáticas e tivemos a chance de solucioná-las, foi como se fosse nosso teste final, digamos assim, depois de termos passados por todas as oficinas em audiovisual oferecidas pelo NPD, nos capacitando para o mercado profissional. Realmente foi uma oportunidade excelente! Sou muito grata.


Fonte da matéria:

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Hallo!!!

Para Edgar Allan Poe – II (conto)


Mércia estava ensopada. Saíra do trem em meio a um temporal. Percebeu que somente ela tinha parada naquela estação... olhou para trás e viu o rosto apreensivo dos passageiros em sua direção. Alguns até se entreolhavam.

Já passava das vinte uma. A estação era tão modesta que não tinha onde ficar com a bagagem, tratava-se apenas de um caminho com tábuas indicando que ali servia de embarque e desembarque quando o trem passava, e nada mais. Seus colegas da cidade grande já tinham alertado a respeito da precariedade daquela cidadezinha de interior. Entretanto, Mércia não imaginava que era tão desamparada.

Enquanto corria para fugir da chuva, ajeitava sua mochila abarrotada de coisas. Avistou um estabelecimento aberto. Na taberna o dono indicara a única estalagem nas redondezas. Sem mais alternativas, após estiar um pouco o temporal a moça dirigiu-se para o local indicado. Chegara completamente molhada. Fora recepcionada por uma velhinha. Esta pediu para Mércia adiantar o pagamento pela noite, pois sairia bem cedo no dia seguinte e não queria incomodar sua única hospede daquele final de semana.

Faltara luz devido a forte chuva. Na escada, ambas estavam amparadas por um toquinho de vela. Mércia assustou-se quando um relâmpago revelou uma cicatriz hedionda percorrendo toda panturrilha esquerda daquela senhora que a conduzia para dentro da residência. Mal pôde se recompor do susto quando outro relâmpago iluminou o rosto da dona da casa. Um semblante mórbido e um sorriso torto entregaram-lhe as chaves do quarto e da porta da rua. Quando Mércia baixou os olhos para pegá-las, deparou-se com uma mão bastante cadavérica.

Nem deu tempo de mastigar um “obrigado”; a velha desaparecera no breu. Mércia apenas jogou sua mochila a um canto, procurou um banheiro ao final do corredor e recolheu-se aos aposentos com cheiro de abandono. Pela vidraça das janelas o festival de relâmpagos incentivava um frenesi junto ao céu.

O sono a enganava, e vez por outra Mércia despertava. Num desses lances, conseguiu ouvir um gemido escorrendo pela casa. Levantou-se vagarosamente e seguiu em direção ao lamento. Descia as escadas passo-a-passo. A umidade da madrugada fazia Mércia espirrar, inutilmente tentava abafar as explosões, e isso a denunciava pelos aposentos, deixando margem para quem percorria a casa, escapar.

Através da penumbra, havia uma silhueta magra arrastando-se pelos cantos... Mércia a seguia com cautela. Checou o banheiro e no vaso algo como uma pele avermelhada boiava. Algo parecido com uma placenta, talvez... o gemido continuava vazando pelos aposentos. Na porta dos fundos, a porta estava semiaberta. No quintal as pegadas davam num pequeno buraco recentemente escavado. Com um pequeno galho, Mércia escavacava o chão. E novamente deparava-se com uma pelanca molhe avermelhada, lembrando uma placenta de animal...

A essa altura a moça já estava bastante assombrada e com medo daquele lugar... despertou de seu próprio pavor, quando uma respiração ofegante materializava-se atrás de si, imediatamente Mércia olhou para trás! Nada havia. Já bastante confusa, preferiu voltar ao quarto, arrumar suas coisas e passar a noite ao relento, seria mais seguro aparentemente.

Ao entrar em seu dormitório, ficou face-a-face com aquela penumbra que ainda pouco seguia pela residência. Era a própria dona da casa com o rosto repleto de carnes em sangue. Mércia estava paralisada, e mais uma vez um relâmpago distraído revelou o ventre da senhora totalmente dilacerado. Com a irradiação de outro relâmpago imagético, Mércia percebera que sua própria barriga estava em sangue. Na sua mão direita ela segurava um punhal. Olhou a sua volta, o cadáver da senhora deitado no chão do quarto. Mércia ainda mantinha um pedaço de carne da velha na mão esquerda, quando alguns vizinhos a seguraram pelo braço...


Katiuscia de Sá
18 de setembro de 2011.
Às 06:22 PM.

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*Leia Também:
Para Edgar Allan Poe – I
Para Edgar Allan Poe –III
Para Edgar Alan Poe - IV

domingo, 11 de setembro de 2011

CÉU DO SERTÃO

(in memoriam) para meu vôzinho querido, que nasceu e viveu em Catolé do Rocha - sertão paraibano e que me contava suas histórias de infância nesse lugar inesquecível!


Seguir em frente.
Com pés descalços no chão em brasas, depois da guerra.
Cacos de vidros, pregos e destroços e os pés cortados sem parar pelo caminho...
É preciso seguir em frente sem olhar para trás.
Um rosto
As portas e janelas trancadas...
A chave para sempre!
Um passo a frente.
Abstrato.
A mosca vagava batendo-se nas vidraças,
Vazio,
Tristeza,
Solidão,
Abandono...
Tudo ainda dói.
Penosas lágrimas sem folego.
Nem chorar mais se conseguia...
Escuridão dos quartos e salas...
Não havia mais família,
Nem filhos,
Nem netos...
Sem futuro,
Nem passado,
Nem presente.
Uma lembrança solta pelo tempo esquecido para sempre.
Em teias de aranhas formigas prendiam-se a espera da morte.
Cem desesperos...
O maquinário continuava.
O relógio apenas dava as horas.
Tudo se perdia no tempo jogado fora...
O esquecimento ganhando.
Ele não chegou a tempo...
Será que ele não conseguiu chegar a tempo...?
Então a casa permaneceria fechada para sempre,
Sem nenhum móvel a receber assento?
Sem nenhuma janela a perceber o sol?
Sem nenhuma face a sorrir para dentro?
Era o deserto sem nuvens,
Um espaço claro e sem expressão
– meu céu do sertão!
E mesmo com aquela dor impenetrável...
Um desespero...
Uma solidão pungente,
Aquele céu de sertão brilhava...
Brilhava até cegar os olhos para nunca desistir...
O que se há de fazer é seguir em frente.
Mãos vazias,
Pés descalços no chão em brasas, depois da guerra.
Ninguém.
Não há ninguém.
Quero falar sua língua...
Essa é a minha dor...
Não sei mais voltar...?
A correnteza de Peixes
Vazou as marés...
Sem olhar para trás,
É preciso ir em frente...
É preciso seguir em frente...
Para brilhar o céu do sertão
"ainda há uma chance!"
É preciso seguir em frente...


Katiuscia de Sá
11 de setembro de 2011.