“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Aos que vierem depois de nós



Bertolt Brecht

(Tradução de Manuel Bandeira)


Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes
.Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.


Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
[(se a sorte me abandonar estou perdido).


E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"
Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
Também gostaria de ser um sábio.


Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundoe, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos,

antes esquecê-losé o que chamam sabedoria.


E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.


Misturei-me aos homens em tempos turbulentose indignei-me com eles.
Assim passou o tempoque me foi concedido na terra.
Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.


Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia.
Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós com indulgência.

domingo, 20 de setembro de 2009

Os Cegos Do Castelo


"Sorrisos-Olhos" canta para "Menino-de-Asas"


"Eu não quero mais mentir
Usar espinhos
Que só causam dor
Eu não enxergo mais o inferno
Que me atraiu.

Dos cegos do castelo
Me despeço e vou
A pé até encontrar
Um caminho,
Um lugar
Pro que eu sou...
.
Eu não quero mais dormir
De olhos abertos
Me esquenta o sol
Eu não espero que um revólver
Venha explodir
.
Na minha testa se anunciou
A pé a fé devagar
Foge o destino do azar
Que restou...
.
E se você puder me olhar
Se você quiser me achar
E se você trouxer o seu lar
Eu vou cuidar...
Eu cuidarei dele
.
Eu vou cuidar
Do seu jardim...
Eu vou cuidar!
Eu cuidarei muito bem dele!
Eu vou cuidar!
.
Eu cuidarei do seu jantar
Do céu e do mar
E de você e de mim..."



(Nando Reis)
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*Foto: Katiuscia de Sá

sábado, 19 de setembro de 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Casamento



A Brancuda dos Dias
Envolveram a Flor Adormecida...
O Cântico do Vento

Ouvidos beijados,
Ao abraço do Infinito!



Katiuscia de Sá
18/09/09

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

ETERNA LIRA...


“os germes da vida perdem-se na vasa profunda. À superfície de coágulos de putrefação, borbulha, espaçadamente, hálito mefítico do miasma fermentando ao sol, subindo a denegrir o céu, com a vaporização da morte.
Os pássaros calados fogem; as poucas árvores, próximas no ar parado, debruçam-se sobre si mesmas num desanimo melancólico de salgueiros...
A arte significa a alegria do movimento, ou um grito de suprema dor nas sociedades que sofrem. Entre nós a alegria é um cadáver...
A condição da alma é a prostração comatosa de uma inércia mórbida (...) sobrevive, porém, o poema consolador e supremo, a eterna lira...
Reinou primeiro o mármore e as formas. Reinaram as cores e os contornos, reinam agora os sons – a Música e a Palavra.
Humanizou-se o Ideal (...)
Sonho, sentimento artístico ou contemplação, é o prazer atento da harmonia, da simetria, do ritmo, do acorde das impressões, com a vibração da sensibilidade nervosa.
É a sensação transformada (...) a obra de arte é a manifestação do sentimento.
Para que serve a Arte?
Originária da propensão erótica, fora do amor, a arte é inútil – inútil como o esplendor corado das pétalas sobre a fecundidade do ovário (...)
A arte é uma consequência não um preparativo (...)
Cruel, obscena, egoísta, imortal, eternamente selvagem... A arte é superior à alma humana (...), desdenha dos séculos efêmeros.”


(Raul Pompéia, em “O Ateneu”)

*Este fragmento acompanhou minha performance "A LIRA DE POMPÉIA", executada em 2008 no CENA ABERTA.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM

(um exercício de interpretação teatral)

Rosa estava então com vinte e nove anos, sua aparência, entretanto, sorria-lhe com uns vinte dois. Mesmo com os altos e baixos da profissão que escolhera, os meses lhe foram gentis. Sofrera muito um tempo atrás. Seu corpo padecera pelas mãos de seu ex-marido. Além das marcas externas, (estas foram cicatrizadas), havia uma dor que nunca a abandonaria: um aborto...

Mas agora era vida nova! Bola pra frente e muitos clientes! A profissão que escolhera era-lhe bastante rentável. Havia noites que acumulava o montante de três meses de trabalho de carteira assinada de apenas um salário. Em outras, porém, mal davam para lucrar o valor das roupas que vestia.

Aparentemente Rosa se esquecera daquele incidente com seu ex-marido, sorria nervosamente; vestia-se para valorizar-se e comportava-se estonteante... mas por dentro se ressentia pela perda do filho que nem pôde nascer, e mais ainda pelas circunstancias como tudo aconteceu.

Seu temperamento tinha espinhos, como seu próprio nome sugeria, era teimosa e devido a alguns fatos da vida, tornou-se arrogante e estúpida por vezes. Fazia de tudo para manter erguida sua cabeça. Não hesitava caso tivesse de brigar para ter firme sua auto-estima. Seu instinto de auto-sobrevivência era demasiadamente forte!

Por tudo o que lhe acontecera, quase tão recentemente, Rosa às vezes se sentia como uma velha viúva-negra, sem mesmo ter dado cabo de seu consorte... sua alma cheirava à sangue coagulado, queimaduras expostas em seus ossos.

Todas essas lembranças latentes... um dia retornaram quando num quarto encontrou-se com um de seus clientes. A partir daquela noite, tudo poderia ter um fim...


Katiuscia de Sá
13 de setembro de 2009
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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sementes...
























.
Por *Paulo Urban


"Na mitologia hindu encontramos concepção cosmogônica semelhante. O tantrismo roga que entre cada um dos ciclos de vida e morte do universo há um período de repouso durante o qual Vishnu, o princípio conservador de Brahma, repousa sobre Ananta, a serpente da eternidade. Nesta condição atemporal, Shiva, o princípio desorganizador de Brahma, está imiscuído de modo indiferenciado em seu próprio poder, Shakti. Quando Shiva inicia sua dança, o universo é então criado, e Shakti, operando agora como Prakriti (energia primordial incapturável e imperceptível da qual todas as formas de vida evoluem) desenvolve todo o universo desde os tattva (mundos) mais sutis até os mais densos, até criar a mente, os sentidos e a matéria sensível sob suas cinco formas, éter, água, fogo, terra e ar. Quando Shakti penetra no último e mais grosseiro dos tattva, a "terra", ou seja, a matéria sólida, sua missão está acabada. Shakti aí adormece sob a forma de Shesha, a serpente que sustenta o mundo, até a próxima era da nova Criação. Shesha nada mais é que um correlato da serpente cósmica Ananta, o infinito, e sua função é a de suportar o orbe e tudo o que nele se manifeste. Shesha e Ananta compõem, respectivamente, o sono divino e o divino despertar de Brahma".



*Paulo Urban é médico psiquiatra, psicoterapeuta e acupunturista.


Fonte: http://www.amigodaalma.com.br/conteudo/artigos/simbolismo_serpente.htm.br/conteudo/artigos/simbolismo_serpente.htm

O Fim é o Começo...






















“... A despeito de tudo, ela ainda o amava, ela o amaria até o dia em que ambos estivessem mortos; ela o conhecera desde o começo dos tempos, e juntos eles adotaram sua Deusa. O tempo escoou e pareceria que eles estavam fora do tempo, que lhe tinha dado vida, que ela o derrubava como uma árvore, e que nascia novamente em um grão, que ele morria ao seu desejo e que ela o pegava em seus braços e o trazia de volta à vida...”







Marion Zimmer Bradley,
em “As Brumas de Avalon” – Livro IV, pg. 97.
Editora Imago.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Amarelo


















*Foto: Katiuscia de Sá


Quero acordar flor-desabrochada todas as manhãs, recolhida em teus braços perfumando teu corpo e regando teu arado com minhas pétalas a cair-lhe em solo, colorindo de vida o que d’antes ocre e pó-cinza eram.

Quero beijar-te nossas bocas-olivas e delas partilhar nossa saliva – água da vida, porção de líquido precioso, córregos da veia-terra, irrigando cidades e prados.


Quero dar-te o Luar e o Sol através do colo quente, coito flautado de passarinhos nascentes festejando as novas cores do céu bem florido.

E por tudo isso, dou-lhe minha Alma e Alegria em lágrimas silenciosas e escondidas para que ninguém, além de Ti, saiba compreender por toda eternidade, o que Juntos Somos...


Katiuscia de Sá
07 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

*CINTILANTE*


















“FALA ARJUNA:Explica-me, ó Mestre, quais as características de um homem que tenha atingido perfeita sabedoria por experiência espiritual absoluta (samadhi); como fala um homem auto-realizado? Como é que ele vive e age?

FALA KRISHNA:Quando o homem é perfeitamente liberto de todos os desejos do ego finito e alcançou a paz da alma pela realização do Eu divino, então, é um homem de perfeita sabedoria.

Quando alguém permanece calmo e sereno no meio do sofrimento, quando não espera receber do mundo objetivo permanente felicidade e quando é livre de apego, medo e ódio – então é ele um homem de perfeita sabedoria.Quando não é apegado a um e indiferente a outro; enquanto não se alegra em excesso com o que é agradável, nem se entristece excessivamente com o que é desagradável – então é ele um homem de perfeita sabedoria.

Quando o yogui é capaz de retrair totalmente os seus sentidos dos objetos sensórios, assim como a tartaruga retrai para dentro de si os seus membros – então está firmemente estabelecido na sabedoria.Pela prática da abstenção pode alguém amortecer os seus sentidos e torná-los insensíveis aos prazeres sensitivos; mas não torna necessariamente insensível aos desejos dos mesmos, o desejo dos prazeres sensitivos cessa somente quando o homem entra em contato com o Espírito Supremo dentro dele.

Ó Arjuna! Os sentidos descontrolados arrebatam com violência a mente, até do homem sábio em determinada perfeição, se não tiver a devida compreensão.Por isso o yogui domina os seus sentidos, dirigindo-os a mim e assim se torna ele firmemente estabelecido em mim, o Ser Supremo. O homem que tem perfeito domínio sobre os seus sentidos é um sábio.Quem pensa sempre em objetos sensórios apega-se a eles; desse apego nasce o prazer e o prazer gera inquietação.A inquietação produz a ilusão; a ilusão destrói a nitidez da discriminação; e, uma vez destruída a discriminação, esquece-se o homem da sua natureza espiritual – e com isto vai rumo ao abismo.

Mas o homem que possui domínio sobre o mundo dos sentidos e da mente, sem odiar nada nem se apegar a nada, orientado pelo Eu central, este encontra a paz. Essa paz neutraliza todas as inquietações e o homem que goza de paz goza de verdadeira beatitude – e acaba por superar também os males externos.Impossível a aquisição de sabedoria pela mente descontrolada; impossível a meditação para o homem inquieto! E se o homem não encontrar a paz dentro de si, como pode ser feliz? O homem sem o domínio sobre a sua mente e seus sentidos é como um navio levado à mercê das ondas.

Homem de perfeita sabedoria é aquele que possui perfeito domínio sobre seus sentidos com relação aos objetos sensórios. Onde para outros reina a escuridão, lá enxerga ele a claridade; e onde o profano fala em dia cheio de luz, lá o vidente espiritual não vê senão a noite tenebrosa da ignorância.Todos os rios deságuam no oceano, mas o oceano não transborda e em suas profundezas reina imperturbável tranqüilidade – assim é o homem iluminado pelo conhecimento de si mesmo: de todas as partes o invadem as impressões dos sentidos – e submergem todas no seu Eu imóvel e imperturbável.

Livre de todos os desejos, é o homem senhor, e não servo, dos prazeres; livre de propriedade, une-se ele com o Todo e encontra a paz verdadeira.Isto se chama viver na consciência de Brahman. Quem atingiu esse estado, nunca mais pode recair na ilusão antiga; e, vivendo nesse estado de consciência, o yogui alcança, finalmente, libertação absoluta na experiência de sua união com Brahman (nirvana).”

*Trecho do livro “BHAGAVAD GITA”, com tradução e notas de Huberto Rohden, Martin Claret Editora

Glossário:

BRAHMAN (neutro): é a Divindade Universal, a Essência Absoluta.
NIRVANA: quietação, o repouso na Verdade de Deus adquirido pela extinção de todos os desejos do ego humano.
YÔGA: união do finito com o infinito.
YOGUI: aquele que procura unir-se ao infinito.
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“BHAGAVAD GITA” quer dizer “CANÇÃO SUBLIME”. E é uma das passagens da poesia épica “MAHABHARATA”, escrita originalmente em sânscrito, e contém cerca de duas mil páginas. Ela, juntamente com o RAMAIANA, constitui o corpo fundamental da literatura sagrada indiana. A narração é dividida em 18 livros, mais ou menos oito vezes o volume da Ilíada e da Odisséia juntos.

A “Canção Sublime” é um convite ao ser humano para desenvolver seu autoconhecimento e sua auto-realização. Essa poesia foi traduzida para todas as línguas modernas e foi essa passagem que motivou Mahatma Gandhi em sua luta pela libertação política da Índia sem qualquer derramamento de sangue para chegar ao seu objetivo.

A poesia nos mostra o caminho do RETO-AGIR, ou seja, agir conscientemente e de acordo com a vontade interior, quando esta vem de um homem que conseguiu seu auto-controle. Desse modo, o RETO-AGIR torna-se expressão da Vontade Divina ou, simplesmente, é motivada pelo seu Eu verdadeiro. Em outras palavras, a vontade de Deus. Para tanto, “Krishna” explica a “Arjuna” que, normalmente, as pessoas vivem na ilusão do FALSO-AGIR e do NÃO-AGIR. Ambas impelem o homem num túnel cada vez mais profundo em erros.

A “Canção Sublime” busca mostrar que somente agindo por amor ao EU verdadeiro o homem age por consciência própria, livre de culpas. Porém, necessário se faz o conhecimento de si mesmo e isso é conseguido se mergulharmos no fundo de nós mesmos, para sabermos quem somos na realidade, sem artifícios ou máscaras. É um caminho difícil, mas não impossível!

“Canção Sublime” é uma leitura muito agradável. “Krishna” é o aspecto do homem cósmico; ele pode ter a figura de uma criança, uma moça ou um rapaz (ilustração acima). E “Arjuna” simboliza o homem governado por suas dúvidas e seu medo (o eu/ego humano). No caso da “Canção Sublime”, “Krishna” está representando nossa consciência, ou seja, nosso Eu divino. Se o escutarmos estaremos libertos.

“BHAGAVAD GITA” traduzido por Huberto Rohden, é muito suave e contém notas explicativas do tradutor sobre algumas expressões da poesia. Rohden também faz paralelo com os ensinamentos cristãos, sem o menor interesse de direcionar o que está sendo mostrado.


Katiuscia de Sá
23 de abril de 2005