Ele tinha os olhos tristes... gritava a ventania do lado de
fora, agitando todas as folhagens e revelando as penas mais intimas dos
passarinhos que já dormiam àquela hora parados a um canto dos galhos das
árvores. Era noite. A mesma noite fria e escura que chorava dentro dos olhos
dele. E ele sentara-se nu defronte à janela de seu quarto, e por isso mesmo a
ventania o acariciava suavemente o corpo branco, tão alvo feito espumas de
ressacas das praias mediterrâneas.
Então Ela o viu, mergulhou naqueles olhos tristes e ergueu
lá dentro uma pequena cidade, que Ela chamou de “Lugar Encantado”. Noite e dia
Ela trabalhava naquele lugar. Secava os prantos dele. Mas não havia jeito... então, Ela teve a
ideia de fazer um lago com aquelas lágrimas que a noite escapavam desesperadamente
dos olhos dele. Vertiam mais e mais. Ela acolhia gota por gota em suas próprias
mãos... foi um trabalho duro e intenso...
Como aquele lago fora feito sob a luz noturna, Ela o chamou
de “O Lago Escuro das Lágrimas”. Mas não podia ficar sem nada. Eram águas tão
puras que haveria de viver alguém lá dentro. Então Ela encostou seus lábios nos
lábios dele, e da saliva de ambos nasceram pequenas criaturas aquáticas. Eram todas
transparentes, como o coração dele... e todas aquelas criaturinhas brilhavam ao
contato com o lago de lágrimas; e como cintilavam, o lago que fora criado
escuro, agora era iluminado por causa do primeiro beijo que eles deram um no
outro.
Às vezes Ela chorava também... porque a saudade era tamanha!
Queria Ela tocar-lhe a pele branca de ressaca das praias mediterrâneas. Então,
todas as noites frias e silenciosas, Ela transformava-se na ventania que
acalmava o corpo nu dele. Ele sentia febres às vezes... não sabia ser o desejo
aquecido dentro de si, por causa das lágrimas que tinham nome. O nome dEla...
Com o passar do tempo, Ela também ergueu uma cabana ao redor
do lago. E durante o dia, Ela esquentava-se com uma fogueira que acendeu no
lugar. E com aquele fogo aquecia o coração dele também. Mas a noite quando
vinha, era fria... porque Ela não podia estar lá com ele. Houve um dia então,
que verteram-se tantas lágrimas dos olhos dele, e o que antes era lago, virou
um oceano. E as criaturas que nasceram do primeiro beijo deles multiplicaram-se
fazendo uma imensa luz na água. Era tanta luz... que os olhos dele agora
brilhavam por causa de tanto amor que Ela lhe tinha.
Então, os dias quentes eram mais suportáveis, e as noites
tristes também. Ela sempre vinha-lhe refrescar o corpo nu deitado defronte à
janela de seu quarto. E ele sempre dormira sem roupas para que a ventania
pudesse deitar sobre si, e abraça-lo a noite inteira...
Katiuscia de Sá
18 de Fevereiro de 2014, às 10:07h.