“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O MISTÉRIO DO BALANCIM (ficção/infanto-juvenil)



Flaviana continuava a olhar e ouvir aquele som estranho vindo do quintal. Sobrevoava também um cheiro forte de tabaco, “como alguém consegue fumar isso? Eca!”, pensava. Entretanto, tinha de ir ao quintal amarrar Dolly, pois sua tia não gostava de animais dentro de casa, principalmente à noite.

– Então, vamos lá Dolly! Não, não, não lambe minha boca... arg! – O animal todo feliz abanando o rabo.

Foi numa noitinha dessas que Flaviana percebeu algo estranho pela primeira vez vindo do balancim do vizinho, cuja janelinha do banheiro dava bem abaixo à casinha de Dolly. Então a menina passou a observar que esse ritual acontecia todas as vezes naquela mesma hora todos os dias.

– Que coisa estranha... – bradava para si. – Pera ai, Dolly... pronto garota! Agora pega aí sua água e fique boazinha...

Flaviana levantou-se vagarosamente e caminhou a passos contados em direção ao balancim do vizinho. Ela morava numa das poucas casas da rua que ainda tinham quintal. Era bom para estender roupas, comentava sua tia. Mas Flaviana não estava interessada àquela altura pelo varal no quintal, e sim por um pedacinho de corda de nylon azul que escapava balancim a fora da casa ao lado, indo a cordinha insultar a inteligência da menina.

– Estranho... por que essa cordinha não está ai durante o dia? – ruminava para si, aquela constatação, – E por que sempre que essa cordinha pula para fora do balancim vem esse cheiro insuportável de tabaco queimando, cadê a fumaça? Que tá só o cheiro? – concluía.

A garota ia flutuante com a cabeça retorcida para trás, continuava a observar a cordinha que sorria ironicamente para fora da janelinha do banheiro da casa ao lado. A vontade de Flaviana era de puxar aquele pedacinho de nylon e acabar logo com essa presepada! Mas atravessou a cozinha e trancou a porta.

Pela manhã o ritual de soltar Dolly, dar-lhe comida e passear pela calçada com ela, rastejava-se. Flaviana caminhava decidida penetrando as janelas com persianas cuidadosamente fechadas na casa do vizinho, que afinal de contas não sabia quem era. Nascera naquela rua, porem não conhecia seu próprio vizinho... de repente a menina olhou ao seu redor e ignorava que todos ali não mantinham maiores relações a não ser uns “bons dias”, “boas tardes” e “boas noites”... todos carregavam consigo um anonimato e desdém pelo próximo.

– Que horror! – pensava. Ninguém se importa com ninguém... e pensar que motivada por uma simples cordinha de nylon azul que escorria as noites invadindo seu quintal, foi que a garota percebeu que as pessoas eram artificiais foras de suas casas... – Mas o quê que tá havendo, afinal? Será que eu sou a única que percebe isso, Dolly?

A cachorrinha sorria com o rabo, chamando sua dona para brincar... e num arroubo de genialidade, Flaviana resolvera aprontar das suas. Retirou a correia que prendia Dolly e pegou um gravetinho do chão. – Vai pegar Dolly! – Então a cadelinha atravessou o portão do vizinho com tanta vontade que acabou pulando, sem querer, o gradeado, indo parar do lado de dentro do saguão da casa alheia.

– Poxa... agora terei de incomodar o vizinho para eu poder resgatar minha cachorrinha... – Flaviana tentava esconder o riso de satisfação. Fingiu que chamava alguém, e fingiu mais ainda que não ouviu nada em resposta. Atravessou o cercado escalando arteiramente uma arvore que serviu de ponte. Já no saguão começou a esgueirar-se pelos cantos.

Observou que ali não morava criança, estava tudo muito em ordem para uma casa. Nem varais, nem sobras de coisas que normalmente se guarda no saguão ou no inicio do quintal. Dolly sem mancomunar nada com sua dona foi na frente abanando o rabinho de tanta emoção.

– Volte aqui, Dolly! – semicerrava os dentes Flaviana.

(continua...)
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"O MISTÉRIO DO BALANCIM" (ficção/infanto-juvenil)
Autoria: Katiuscia de Sá
Escrito em: 27/07/2012



A ação precipitada da cachorra derramou uma correnteza de suor na testa de Flaviana, – Ai, tô ferrada... psiu, psiu, Dolly pra cá... NÃO!!! não late... não late! Ai, ai, ai... – o animal zombava de sua dona cheirando tudo que rastreava pelo chão; caminhava freneticamente feito um radar abanando o rabo comandado pelo nariz nervoso.

Com toda essa tensão disparou-se outro rojão: – Ó Flaviana quê que você faz ai no vizinho? – agarrado ao portão branco berrava Vândalo, era o apelido de seu amiguinho de escola. – Ai, não! – Flaviana arregalou os olhos em direção ao amigo, articulando algo sussurrado timidamente, – silencio! – Então o garoto (nada discreto), avançou num pulo certeiro para dentro do terreno:

– Flavin o que você procura ai, menina? Porque você não foi à escola hoje? A professora passou um teste surpresa sobre História das Civilizações Antigas, e liberou a turma logo depois... acho que era algo Inca ou Maia, arg!... eu acho tudo igual, aquele pessoal parecendo uns bonequinhos com aquelas roupas coloridinhas fantasiadas... – o silencio só foi resgatado com o brusco abrir da porta pelo próprio dono da casa:

– O que significa isso?! – evaporou-se gravemente pelo espaço a voz do homem velho! As duas crianças simplesmente transformaram-se em faces de papel A4!

– Andem, respondam! Quem são vocês e o que fazem invadindo minha propriedade? ¬– o rugido do velho ganhou como adversário o latido de Dolly que tentava retornar ao átrio. Conseguindo pular o gradeado, a cadela avançou sobre o homem quase lhe abocanhando o braço; o pior só não aconteceu devido as mãos de Flaviana, ágeis tempo suficiente de segurarem firmemente a coleira do animal, antes que Dolly voasse pra cima do sujeito.

– Desculpe-nos senhor... nós viemos pegar minha cachorra que entrou no seu terreno sem querer. Não queremos causar problemas... – gaguejou Flaviana tentando dar um tom natural ao acontecimento.

Sem qualquer delicadeza o velho praguejou às crianças ordenando que saíssem imediatamente dali e que mantivessem longe o animal para evitar acidentes maiores. E no intervalo de uma palavra e outra, a menina arremessava seus olhos para a fresta da porta, tentando distinguir na penumbra um semblante e um dorso mal desenhados onde morria nas mãos um pedaço de cordinha de nylon... azul!

– Quem está à porta? – Flaviana sem querer libertou sua curiosidade em momento não oportuno. E num lance a mão enrugada e dura do homem velho empurrou a porta sepultando tudo o que estivesse atrás dela, para decepção de Flaviana que caminhava sonambúlica, sem querer ir embora dali antes que suas duvidas fossem sanadas.

À meia boca o menino desatava: – Vamos Flavin, deixe o vovô ai... o véi tá meio nervoso... vamos embora. – Vândalo arrastava Flaviana segurando-a pelo braço, junto a Dolly. Já na rua, a menina ainda virou-se a olhar a casa, notando que a figura que ela vira na penumbra agora estava protegida pela persiana da janela. Embora estivesse encoberta, percebia-se que era alguém pequeno, – Talvez seja uma criança... – pensava. E voltando a si, Flaviana completou:

– Você é sem noção, Vândalo? Como você chama o homem de ‘vovô’? se ele ficasse ainda mais bravo? – retrucava a menina morrendo de raiva porque seu amigo estragara seu plano de invadir o quintal da casa do vizinho.

– Não esquenta Flaviana, aquele véin lá não tá com nada! Mas afinal de contas, o quê você fazia lá mesmo?

Não tendo mais como escapar às perguntas do amigo, a garota narrou o que toda noite acontecia em seu quintal à determinada hora, e era tudo igualzinho como se fosse um ritual já até cronometrado... e ela ia descrevendo os fatos de tal forma que seus olhos nem piscavam de tanta sede em saber do que se tratava.

– Flavin, você tá estranha... que cara é essa? Você andou aprontando das suas novamente? Que negocio é esse de fiozinho de nylon azul no balancim da casa de seu vizinho? Você anda provando aqueles calmantes que sua tia usa para dormir? Olha lá...

Já impaciente Flaviana rebatia: – Não é nada disso! É sério Vândalo! Eu acho tudo muito estranho... e eu só percebi isso porque mudei o horário de amarrar Dolly a noite no quintal! – Percebendo que seu amigo não acreditava, ela mesma o convidou a constatar com seus próprios sentidos o que terminara de narrar. Vândalo perguntou se eles podiam tomar café com leite e bolo antes de seguirem mais tarde para o quintal acercarem-se do fio de nylon azul...

– Está bem, mas você me promete que não conta para minha tia que eu não fui à escola hoje? Eu me atrasei tanto devido Dolly invadir a casa do vizinho, então não deu tempo de deixá-la em casa e seguir para a aula. – explicava.

– Ok, não esquenta! Eu passo aqui de noitinha, vejo você e dona Judith! – o menino despediu-se da amiga já pensando no bolo de chocolate mais tarde. E ela lembrou dele não comentar nada com sua tia, senão ela ficaria de castigo por ter faltado aula e invadido a casa do vizinho.

– Certo. Você me dá uma fatia bem grossa de bolo, Flavin? Os doces que sua tia cozinha são maravilhosos! Hmmm... nem sei se aguento até a noitinha. – Enquanto o menino se afastava, Flaviana arquitetava uma maneira de investigar o mistério do balancim.

Quando seu amigo chegou no horário combinado, após conversarem cordialmente com dona Judith na sala, as crianças escorreram para a cozinha, e durante o café com leite e bolo, Flaviana perguntou ao amigo se ele a ajudava a descobrir o que realmente aquele pedacinho de corda de nylon azul fazia dependurada no balancim.

– Flavin... na minha opinião, eu acho que você tá lendo demais aquelas revistinhas de mistério! Mas se isso a deixar contente, eu ajudo sim.

Flaviana só não ficou feliz com as palavras do amigo porque estava muito concentrada a cronometrar os acontecimentos para provar a Vândalo de que algo realmente estranho acontecia ali. Ambos atravessaram a porta da cozinha e Flaviana pegou seu relógio de pulso, zerou o cronômetro e passo-a-passo iria narrar os acontecimentos tais como se davam.

– Preparado? – a menina encarou firmemente os olhos verdinhos do amigo, e este lhe confirmou acenando com a cabeça. Então ambos atravessaram a cozinha em direção ao quintal, seguiram para baixo do balancim da casa do vizinho. Flaviana apertou o botão do cronometro e imediatamente iniciaram uma a uma, as coisas que ela tinha narrado a Vândalo.


(continua...)

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"O MISTÉRIO DO BALANCIM" (ficção/infanto-juvenil)
Autoria: Katiuscia de Sá
Escrito em: 14/08/2012


Após sete minutos cravados, o assombro de Flaviana projetou-se para Vândalo, que não sabia o que achar daquilo tudo, apenas ficou incomodado com aquele cheiro forte de tabaco queimado mal tratando todo quintal.

– Que cheiro horroroso é esse? – tapava o nariz com as mãos – Vamos sair daqui... pobre de Dolly que passa a noite ai, coitadinha... acho até que é por isso que ela tá meio chapada ultimamente! – detonava o menino.

Já na cozinha, protegidos do odor macabro, ambos se entreolhavam. Quando a menina resolveu proferir algo que precisavam fazer: descobrir o que significavam aqueles sussurros e choros vindos do banheiro do vizinho enquanto a cordinha de nylon azul era despejada para o lado de fora do balancim... e o pior de tudo era aquele cheiro terrível, e a cordinha removida quando o odor atravessava o muro.

– Dona Judith já sabe disso? Alguma vez ela mencionou algo com você Flavin?

– Que nada! A tia fica grudada lá vendo a novela... pode cair o mundo que ela não sai da frente da TV! – respaldava-se Flaviana, – É por isso que dá pra gente arrumar uma maneira de subir em algo pra olhar pra dentro do balancim.

– Você tá maluca?! Se aquele véin mal-encarado nos pega? Nem quero pensar... Não podemos fazer isso, é contra a Lei!

Porém, os lamentos vindos do banheiro do vizinho eram tão assustadores indo parar nos pesadelos das crianças naquela noite. Pela manhã na escola ao horário do recreio, Vândalo dissera à Flaviana que tivera uma noite mal dormida e até um pesadelo por conta do acontecido. E achava mesmo que deveriam investigar, nem que fosse de levezinho.

– Flaviana, lembra-se daquele caso que aconteceu ano passado com aquela senhora que morava no final de sua rua?

– Qual? – a menina continuava mastigar seu sanduiche.

– Aquela senhora que morreu de ‘Rúcula’!

– ‘Rúcula’? Não foi de ‘Brócolis’ que ela morreu? – rebatia a menina esfomeada, sem noção do assunto.

– Não foi! Foi de ‘Rúcula’ sim... lembra que disseram que o marido dela não a deixava sair pra canto nenhum, nem mesmo para se tratar ao médico, e depois de muitos meses descobriram que ele omitiu a doença dela, que era ‘Rúcula’... então ela faleceu.

Num insight glorioso, a menina achou que poderia estar acontecendo o mesmo na casa ao lado da sua. E se alguém estivesse sendo mantido prisioneiro e torturado sem poder sair e pedir ajuda! – Como assim? Eu não vi mais ninguém lá com o vovô, no dia em que ele nos pegou com Dolly no terreno dele... – testemunhava Vândalo.

– Havia sim, eu vi! E eu acho que era uma criança, sei lá... era menor do que nós dois. Acho que era uma criança sim! E aquele velhote lá não é nosso avô! Pare com isso...

– Sabe o que mais me deixou intrigado era aquela música estranha na voz do vovô lá... como era mesmo? (Vândalo tentava lembrar-se dos versos), – Parecia outra língua... ah, lembrei. Era assim: ‘Statim Deredê, Statim Deredá, Statim Deredê, Statim Deredá...’

– Que horror! Pare, está me dando nos nervos... – inquietava-se Flaviana que estava preparada para investigar sobre a vida de seu vizinho que nunca havia visto o rosto antes a não ser na manhã passada.

– Você conhece outra pessoa da rua que mora há mais tempo lá, que de repente conhece o vovô? – argumentava Vândalo, interessando-se pela ideia da investigação.

– Sim, sim... na verdade o que vamos inventar para que as pessoas não desconfiem de nosso súbito interesse pelo senhor... hã... eras! Nem sei o nome dele! Acho que tia Judith deve saber.

A campainha do recreio soou e as crianças retornaram para suas salas, despediram-se e combinaram de ir para casa juntos, se um saísse primeiro esperaria o outro, pois Vândalo estava uma série acima de Flaviana e tinham grades de matérias outras, a aula deles podia terminar em momentos diferentes.

(continua...)


"O MISTÉRIO DO BALANCIM" (ficção/infanto-juvenil)
Autoria: Katiuscia de Sá
Escrito em: 22/08/2012
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Flaviana saiu primeiro da sala de aula e ficou no pátio da escola aguardando seu amigo, enquanto isso tentou puxar pela memoria quantas vezes sua tia havia conversado com o vizinho ou mencionado ele em alguma conversa paralela nesses eventos coletivos na comunidade... e não se recordava de nenhum episódio. De repente Vândalo materializou-se do nada e veio logo metralhando, causando baita susto em sua amiguinha de travessuras:
– Eu não aguento mais essas aulas de aritmética! Me diga Flavin, para quê eu vou usar o resultado de uma hipotenusa no meu dia-dia?

– Ai... não apareça assim Vândalo! Você quase explodiu meu coração de susto! Sei lá... dê esse nome de ‘hipotenusa’ quando você tiver uma filha... assim fica parecendo nome de artista.

O menino até achou o nome bonito... Depois de recuperado o folego e os pensamentos, Flaviana conduziu Vândalo, caminhavam lentamente pelo átrio da escola causando risinhos e chacotas das outras crianças da classe de Vândalo. Ouvia-se atrás dos dois amigos um corinho de vozes femininas e masculinas:

– Êêêêh! Tão namorando.... tão namorando... tão namorando...

Indiferente à zombaria, ambos seguiam determinados em direção ao quarteirão onde moravam, já com os olhos e ouvidos escancarados à casa do senhor rabugento que lhes flagrara outro dia.

As persianas como sempre fechadas. A residência hermeticamente relegada ao anonimato perfeitamente disfarçado de normalidade. E de repente algo refletiu de dentro da janela, parecia um espelho. Um facho de luz rebateu três vezes seguidas, como um sinal. Flaviana, que sempre teve ideias na cabeça, foi a primeira a supor:

– Você viu Vândalo? – seu amiguinho fez que sim com a cabeça, convidando-a a olharem mais de pertinho, quando estavam ao portão branco, reluziu outro reflexo dessa vez bem nos olhos de ambos, causando uma cegueira momentânea. Em seguida ouviram um risinho de criança...

– Eu sabia! É uma criança que tem ai dentro... acho que é menor do que a gente, Vândalo! – em resposta seu amigo falou com a voz animada: – Acho que ela quer brincar, Flavin!

– Também acho, caso contrário não nos atraia para cá... mas será que aquele velho mal-educado está por aí?

Vândalo olhava de um lado a outro, e sem qualquer remorso pulou o cercado, Flaviana fez o mesmo. A sorte é que não havia Dolly para latir e delatá-los. Ambos foram se aproximando a passos contados em direção à janela. As grades e os vidros impediam de enxergarem melhor através das persianas, entretanto umas mãozinhas abriram um vão e Vândalo e sua amiga enxergaram um par de olhos... e num repente gritaram e saltaram para trás.

– Você viu? – arregalou-se Flaviana.

– E-eu vi! Mas eram de cor diferente... existe pessoa com um olho de cada cor assim?

Os amigos nem tiveram tempo de raciocinar quando escutaram uma voz de criança chorando do outro lado da parede.

– Pobrezinha... acho que ela nos ouviu, Vândalo. Deve ter ficado magoada. Pensa que temos medo dela...

Após o choro ouviu-se a voz do velho que brigara com eles outro dia. E a voz vinha se aproximando mais e mais. As crianças perceberam e correram para fora da propriedade antes que a porta abrisse de súbito como no outro dia. E já a salvos no meio fio, disfarçaram e avistaram o velho mal-encarado como um radar a procura de vestígios...

– Ainda bem... ele não nos viu aqui! – suspirou Flaviana.

– Então Flavin? Você tem algum plano para saber algo sobre o vovô?

– Vou sondar tia Judith hoje a noite... e pare com isso Vândalo, esse velhote não é nosso avô, já disse!

(continua...)

"O MISTÉRIO DO BALANCIM" (ficção/infanto-juvenil)
Autoria: Katiuscia de Sá
Escrito em: 03/09/2012
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Como uma abelha em volta do mel, Flaviana rondava e não tirava os olhos da tia. À hora do jantar maquinava um jeito de puxar conversa sobre o vizinho desconhecido.

– Tia, a senhora mora há muito tempo aqui?

– Sim, Flaviana...

– Mas há quanto tempo? – as mãozinhas da menina abandonavam despreocupadamente os talheres sobre a mesa.

– Flaviana, preste atenção! Você colocou dois garfos do lado do prato, repare minha filha!

– Sim tia... mas há quanto tempo a senhora mora nesta casa? – Flaviana rodopiava o copo e a jarra na lateral da toalha.

– Ó, menina! Tome cuidado com essa jarra aí na pontinha da mesa... desse jeito irá derramar o suco!

– Sim tia... mas há quantos anos a senhora mora aqui nesta rua? – parecia um pré-histórico vinil furado ou um cd arranhado que não tinha outra musica pra tocar.

– Flaviana... que conversa é essa, menina!?

– Então, tia? Há quanto tempo a senhora mora nesta casa? A senhora conhece todo mundo do quarteirão?

A tia da garota já meio chateada com aquela conversa descabida de criança queria se sair, apressou a fala porque sua novela já estava por começar. Flaviana passou o resto da noite amuada por não ter conseguido arrancar o quê queria da tia, respondia através do chat a seu amigo Vândalo, que sua tentativa de sondagem fora negativa. A menina corria os dedinhos no teclado do computador que ficava na sala junto ao televisor onde sua tia assistia à novela e também monitorava Flaviana à Internet. Vândalo dissera-lhe que fez uma busca na rede, leu na Wikipédia que existiam sim pessoas com olhos de cores diferentes, que não era tão comum... mas que existiam [~.õ]. Em contrapartida, a menina dizia ao amigo que já estava quase na hora de ir para cama, ia se despedindo [;*]... entretanto, poderiam continuar a teclar através do celular [=D], e assim vararam a madrugada até chegarem na destemida conclusão de que estavam por sua própria conta no caso do mistério do balancim [¬.¬].

No dia seguinte, como combinado pelas mensagens de texto, estavam ambos à porta da casa do vizinho de Flaviana a observarem a rotina matinal da residência. Nada de extraordinário. Nenhuma janela se abriu, ninguém saiu, ninguém entrou...

– Flavin, vamos ou iremos nos atrasar para a aula! – decepcionava-se Vândalo.

– Mas que negócio é esse? Uma hora esse velho tem de sair para fazer as compras, caminhar, pegar sol... sei lá! E certamente não deixaria a criança sozinha em casa! – concluía a menina, impaciente.

“Se ao menos eu pudesse passar uns três dias sem ir à escola, eu descobriria algo...”, matutava consigo uma falsa doença para permanecer em casa às manhãs sem dar chances da tia obriga-la ir às aulas. De repente a menina imaginou uma febre para o dia seguinte, que evoluiria para uma dor de garganta e perda da voz na próxima manhã, e para o terceiro mata-aula: uma clássica crise de asma... como a tia da menina trabalhava e retornava no horário do almoço, foi pega de surpresa pela guerrilheira Flaviana que inventou uma febre de abajur. O termômetro marcava 39 graus, às pressas dona Judith pediu para que a filha de uma vizinha viesse dar uma olhada em Flaviana até ela retornar do trabalho.

Como sua recém-babá improvisada era neo-adolescente, já rebentando a idade indomável de apaixonar-se..., foi fácil para Flaviana fugir das vistas da mocinha que não largava o celular a tagarelar sobre meninos com as amigas... Flaviana trocou o pijama e infiltrou-se pelas paredes silenciosamente chegando até a porta dos fundos; sem que sua babá percebesse, a menina já estava ao saguão da casa prestes a ganhar a rua. Foi direto para frente da casa do vizinho velho tentar descobrir algo...

(continua...)

"O MISTÉRIO DO BALANCIM" (ficção/infanto-juvenil)
Autoria: Katiuscia de Sá
Escrito em: 09 e 10/09/2012