Criação e Desenho:
Katiuscia de Sá
(...)
As paredes brancas, de uma paz consoladora. Tristes e solitárias. Atrás daquela pintura serenamente branca, havia lembranças. Uns risos pelos corredores, salas e aposentos. Na cozinha um aroma antigo de chá de mato. Lágrimas e soluços no quarto da menina... O vento carregava tudo de um cômodo a outro. Um vendaval por dentro, calmaria por fora. O Casarão.
Duas luminárias lambendo a parede exterior. Nunca adormeciam. O tempo das horas não importava muito, posto que o que está esquecido não necessita da precisão dos relógios. E quem escreve, também adormece em cima do que escreve.
Silêncio mordaz. Os carpetes gastos lembravam-se com muito esforço das festas, das valsas, dos risos. Tudo sepultado abaixo das areias. As duas poeirinhas puseram-se a rastejar com ajuda do vento que circulava vez por outra. Foram compreendendo o que era ali. ”É um Casarão...”, deduziu a primeira criança, mas uma Casa não se movimenta de um ponto para o outro. Essa Casa se movimentava tanto fora, quanto dentro. E o vento invadindo os quartos de janelas abertas. “Estavam realmente abertas?”. Na verdade a certeza não era bem-vinda.
Tudo estava por detrás das coisas. Tão detrás quanto um sonho que rebenta de repente num mundo de origens outras, luminosas, velozes e barulhentas. Uma cachoeira de cristais bem ao meio na sala. O garotinho ilhado num remoto pedacinho de terra firme. Não chorava, arquitetava logicamente como libertar-se de sua pequenina prisão – brincadeira sem graça da força das marés!
O lago foi engolido em volta da pequena ilha. O menino bebeu atmosfera, caminhou afundando, lançava sua cabeça para fora. Compreendeu o mecanismo da vida: respira-se com a fronte sobre as águas enquanto o corpo flutua pesadamente no cotidiano... o importante é salvaguardar a mente. “É, a mente...”
(...)
“Mas se o quê foi, tornou-se passado, continua sendo... portanto, ainda É; não Foi. Permanece...”, confundiam-se as poeirinhas amparadas numa das esquinas-aposentos.
“Não se pode fazer nada, mantendo-se imóvel...”
“Mas o pensamento, pode...”, observou seu coleguinha poeira. Queriam passar de um cômodo a outro. Quando outro rastro de vento percorreria o interior da Casa, emprestando mobilidade e encantamento às coisas? Ninguém saberia dizer.
Mais pássaros rasgavam o céu do lado de fora. Gritavam o nome Dela. “Ela está aqui dentro...”, espantou-se a poeirinha esperta!
“Mas o menino-réptil que agora é alado?”
“Ele é Menino-de-Asas, não Sorrisos-Olhos...”, protestou a outra poeira. E agora o infante não queria mais nadar. Queria voar...
E uma lembrança latente querendo despertar na atmosfera esquecida em um dos quartos. Porém, para que algo seja lembrado necessário se faz a presença de alguém para que essa lembrança venha à tona.
Esse “alguém” és tu.
Sim.
Tu.
Tu mesmo!
Tu que me olhas...
Katiuscia de Sá
Belém/Pa
2009
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