“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

domingo, 26 de janeiro de 2014

Pietro e as Estrelas (conto fantástico infanto-juvenil)

*Para Pietro Milan





“Aqui ele ainda sorria...” – dizia uma.

“É melhor permanecer apenas com a ideia... se o conhecer de verdade haverá de perder o encanto...” – soprava outra delas.

“Nem assim... nem assim. Ele é diferente dos demais. Quando dorme não passam as Horas” –  cintilava a outra.

As estrelas sussurravam para os olhos fechados de Pietro. A todo o momento as decisões se completam ou são mudadas.
São as Horas que ditam o tempo. E mesmo assim o Tempo não resiste e todas as horas corridas não valem nada.

E no céu, as estrelas.

No coração de uma delas, uma luz fervilhava.
Era água e era fogo...
Era riso e era choro...

Quando estava em festa, as lágrimas se confundiam com o brilho das irmãs. Quando era saudade, cintilavam os pingos e respingos. Vinha uma ventania e transformava tudo em poeira do espaço. Ficava escuro feito terra. Ficava quente feito um abraço.

Um som de tambor outra vez ecoou no céu. Acordou o menino Pietro! Seus olhos que viam e piscavam para dentro de si, brilharam ao contemplar tantas luzinhas. Estas também lhe viam! Acendiam e apagavam com ansiedade de quem espera.

Ele quis tocá-las... estavam tão distantes. Entretanto, aquela que a ele sempre olhara, quis descer mais um pouquinho. E à noite quando rodavam os ponteiros e a Terra girava, dava para deslizar nos céus de vagarinho. E esta, que gostava de brincar com Pietro, resolveu amanhecer junto a ele.

Uma ventania rompeu-se de repente.
Era Juno...
Era Marte...
Ou Plutão
Em alguma parte!

“uuhhu... uuhhu... uuhhu...” – fez então pelas janelas. Quase arrancaram as cortinas novinhas, as ventanias! Mas o menino não teve medo. Correu para perto e quis vê-la. E lá estava ela: a sua pequena estrela! Que foi forte o suficiente para soltar-se do Firmamento. Rebelou-se contra a correria do tempo que ninguém nunca soube, que ninguém nunca via. Quando na Terra estava, a estrela disse a Pietro que viera ser sua amiga.

E do céu, correu um trovão!
Ralhou com a pequena estrela que descera ao chão!

E os meses não passavam.
Nem as horas se animavam.
Os ponteiros fizeram greve enquanto a estrelinha não retornasse ao Firmamento!

Mas Pietro estava feliz com sua nova amiguinha. Sorria e sonhava por toda madrugada, pois no seu coração uma poeira se levantou... cortava o chão e subia as escadas. O que era invisível corria por toda a casa... e quando Pietro acordou seus olhos, tanto tempo se passara.

E a estrela que descera do céu para conhecê-lo, agora a seus olhos se mostrava. E toda vez que  Pietro avistava o Firmamento, era a si mesmo a quem buscava, devido à esperança sua estrela adormeceu nos olhos de quem tanto amava...

Nunca mais Marte!
Nunca mais Plutão!
Nunca mais saudades naquele tenro coração!

De mãos dadas eles seguiam.
Atravessavam dias.
Atravessavam noites...

Naquela estrada longa e cilíndrica, haveria sempre umas luzes a piscarem.
– de tanto desejar, aquela estrela pôde vir ao chão...

Num lado do telescópio, era Pietro... Do outro nunca ninguém soubera, mas o céu estrelado que ele olhava todas as noites era o seu próprio coração abraçado ao dela.


Katiuscia de Sá
26/jan/2014, às 22:35h




sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

LEMBRANÇA (conto fantástico)

*inspirado na melodia “To My Mother”, do album ‘Saving Mr. Banks’ (2013), de Thomas Newman.






Quando aquele momento repleto de sentimentos estendeu sua força ao vento, disse-lhe em segredo, que as nuvens choravam, mas era de alegria... pois em algum lugar secreto nascia uma pequena árvore que brotava corações, e estes ao serem ingeridos como fruta madura causavam um pequeno espasmo nas criaturas. Foi então, quando um minúsculo pássaro pousou num dos galhos daquela misteriosa árvore de frutos avermelhados e docinhos, que um cotidiano e jubiloso milagre abriu os olhos. E ao acordar e enxergar aquele pássaro de vestes marrons que havia ingerido um pedacinho de coração, o mesmo milagre percebeu que a criaturinha não pôde engolir tudo, pois sendo o fruto ainda menor fez a ave que a ingeria, engasgar o bico. Isso foi o suficiente para que o pássaro cantarolasse libertando-lhe daquela angustia.

Seu canto afugentou a noite, e fez com que os ventos soprassem em direção à Maria-Celeste. Esta se enrolava numa haste de plástico, e estava bem segura pelas mãos de uma criança que a saboreava. Era um excelente algodão doce, esta Maria-Celeste. Entretanto, quando o vento tocou-lhe as peles rubras... ela não resistiu, derreteu-se de carinhos pelo vento que a fazia sentir calafrios e a destruía do mesmo modo como uma onda suicida-se nas rochas sem poder conter-se ou decidir não morrer abraçando as pedras à beira mar.

Aquele sentimento desperto foi em demasia para um corpo não habituado ao sereno do amor. E depois que se desfazia pelos carinhos do vento, Maria-Celeste consumia-se mais e mais antes de alimentar a boca da criança que a segurava nas mãos. Derretia-se e manchava de rubro aquelas mãos pequeninas e desajeitadas.

Mas os olhos do milagre tinha sono... não conseguiam permanecer abertos a tudo que acontecia. E aos poucos o peso das horas causou-lhes cansaço e certa preguiça; deixando-lhe cair as pálpebras. Então, por intermédio de alguém maior do que aquele milagre que acontecia, as mãozinhas deixaram Maria-Celeste ser escorrida pelo vento, indo ela parar num córrego confundindo-se com os mesmos líquidos que seguiam seu caminho. Foram todos parar ao pé da árvore que brotava corações. Umedeciam o chão.

E Maria-Celeste que antes sentia o carinho do vento que lhe desfazia as formas, agora era como liquido em suco. Estava tal sangue a bombear um dos corações, aguardando tornar-se alimento de pássaros ou quem sabe, retornar ao Princípio, morrer e nascer árvore para gerar mais corações... e com isso fazer com que mais milagres também abrissem os olhos.


Autoria: Katiuscia de Sá
Em: 17/01/2014, às 20:32h.