Estavam as duas acomodadas desacomodadamente remexendo as
pernas, os troncos, jogando os cabelos de um lado a outro, nervosamente
chupando os canudinhos de suas bebidas, retumbando os braços em posições
frenéticas sem perderem a compostura; faziam uns malabarismos corporais,
equilibrando-se em cima de uma cadeira alta de assento minúsculo na beira do
bar. Ambiente muito sofisticado, com iluminação rotunda e fresca, paredes
pretas e outras espelhadas e prateadas, ambiente refrigerado, drinks coloridos
e transparentes, música incidente e provocativa, poltronas zebradas bem mais ao
fundo (no escurinho), luz néon, abajus cor de carne... Pessoas educadamente
gesticulando como se nadassem a dez metros abaixo d’água. Tudo muito organizado
e nas rédeas do bom comportamento social aceitável. Nos olhos de ambas as
moças, entretanto, o fogo inquieto da indignação!
– Mas Cacilda, eu não acredito nisso... o cara nunca aparece
em publico com a mulher!
– Será que ela deve ter galhos tão grandes que nem tem
forças para erguer a cabeça para ter o equilíbrio mínimo, e caminhar fora de
casa com o marido?...
– Hahaha! Não tem graça, amiga! Eu aqui me descabelando por
causa daquele sem-vergonha, que me canta a morrer, e no entanto fica esfregando
na minha cara aquela aliança como se fosse um escudo ou camisa de força para
ele mesmo se dar um motivo plausível para não ser devasso!
– ‘Devasso’ para ele
é pouco! Acredito que com aquela carinha de santo dele, já comeu a maioria da
mulherada da sua repartição!
– Pois é, imagina! E agora ele está todo ‘fofinho’ para cima
de mim, que só pedi para levar à sala do chefe umas papeladas...
– Amiga, convenhamos, até que ele dá pra passar uma chuva...
né querida? Diz que não!
Mariana dava umas piscadelas e uns tapinhas no ombro da
outra, para atiçar mais ainda a amiga.
– Ei garçom, por favor... traga-nos dois drinques nº54 do
cardápio... com bastante gelo.
– Pra mim, sem gelo, por favor...
E o garçom indiferente à conversa de ambas recolhe o
cardápio de bebidas. Por detrás dele, sem maiores esforços, avistava-se o outro
lado do balcão que dava uma graciosa curva de trinta graus à esquerda, indo
parar na parte mais escura do pub.
– Mas sim Mariana, eu não lhe disse que a mesa do dito-cujo
fica na quina da minha, então toda vez que ele passa em direção à máquina de
Xerox ele esbarra na minha mesa e faz cair algo de proposito, só pra puxar
assunto?
– Aproveita, amiga! Deixa de ser boba... se tá brotando um
girassol com cara de flor de jerimum-de-rato, pelo menos a flor do mato é
bonita... ahahaha.
– Credo Mariana! Você tem uns ditados estranhos que eu nunca
ouvi!
– Minha avó que dizia isso, Cacilda! Ela morava no interior
da Capital... bem pra lá da fronteira com Mato Grosso do Norte.
Ambas já afogadas em seus drinques, com os olhares
esfumaçados e languidos passeando pelo ambiente.
– Sabe Mariana, eu só não arrisco nada com esse cara, porque
além dele ser casado... ele não leva às festas da repartição, a esposa. E se
começamos algum romance, como vai ser sem saber como é minha futura ex-possivel
adversária? Vai que eu me apaixone pelo cara? Com que armas eu vou competir com
a esposa-fantasma dele, se ela nunca está nos eventos?
– É... aí a coisa complica... Talvez, de repente ele nem
tenha esposa. Aquela aliança é só um disfarce pra ele galinhar mais e não se
prender a mulher alguma. Que safado... Mas você não precisa se apaixonar pelo
cara pra poder dar umas mordidinhas no churros dele, besta!
– Aí, Mariana! Que coisa vulgar...
– Vulgar, nada! Todo mundo sabe que homem-paquerador só
pensa nisso mesmo! Eles nos chegam com aquela educação toda, e tal... e com
aquela conversa mole e macia, nos deixam enfeitiçadas com aquelas coisinhas que
a maioria dos homens de hoje não fazem mais...
– O quê os homens não fazem mais?
– Ora: puxar a cadeira pra gente sentar no restaurante;
abrir a porta do carro; mandar mensagem pro celular dizendo que estavam
pensando na gente... coisas desse tipo, amiga! Só pensando no momento em que
eles vão lambuzar o churros deles no nosso doce de leite!!!!
– Mariana, você me assusta. Você é tão...
– Prática, querida! Prática e realista! No fundo a gente
sabe que relação na cabeça masculina se resume a uma única palavra: sexo!
– Ah! Eu quero mais... eu desejo romance.
– Romance? Cai na real Cacilda... ‘romance’ na cabeça dos
homens é poder transar ouvindo um clássico brega dos Scorpions.
Enquanto as mulheres faziam suas conjecturas, na quina do
balcão – lá no escurinho – dois homens jogavam olhares em sua direção, sem
saberem exatamente, entretanto, se estavam sendo correspondidos pelas mulheres
já meio altas.
– Ah, Mariana eu queria tanto encontrar o homem dos meus
sonhos. Será pedir muito?
– Querida, eu aprendi que o ‘homem dos sonhos’ de uma mulher
é como o papel higiênico.
– Papel higiênico?
– Sim: frágil e sem consistência; que não dá pra manter nas
mãos por muito tempo porque esfarela por qualquer coisinha, e que nunca tem o
tamanho especificado na embalagem.
– Depois dessa pérola Mariana, eu acho que tá na hora de ir
pra casa. Ó garçom... traga a conta, meu filho... por hoje já deu.
Mariana e Cacilda atravessavam em passos trançados,
sincronizados com o jogar de cabelos de um lado a outro. Uma ajeitando o sutiã
que teimava gritar decote fora da camiseta; a outra verificando se o batom
estava realmente dentro da bolsa. Passaram pelos homens no lado escurinho do
balcão sem ao menos notarem seu interesse. Um deles tinha nas mãos um bilhetinho
endereçado à Cacilda, escrito num rasguinho de papel higiênico.
Katiuscia de Sá
25 de março de 2013, às 20:38h.
*ouvindo ‘Sadeness’ – Enigma