“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

AMOR

Ela voltou para enxugar a chuva dos olhos Dele.
Decorou o caminho de nuvens de Sol espalhadas pelo sótão e decorou-lhe as pestanas a sorrir...

O lençol ainda carinhando os corpos,
Doce Lembrança Presente...

Ambos sorriam lampejos pelo fato do orvalho querer subir aos céus e derramar-se em seguida, como Ouro do Nascente.

Os paralelepípedos aconchegavam estrelas cadentes, vinham-me elas, nas mãos...
Tão belas.
São tuas, agora, Amor.
Meus Olhos a iluminarem teus Dias.

Abriram-se pétalas nascidas do alvorecer:
Passarinhos cantores erguiam suas faces pálidas, diante da Casa,
Quando o Lilás dos lábios sentiram os Dele,
O Verbo falou, novamente:
“AMOR...”

E o Silêncio nos disse que, finalmente Somos

UM




Katiuscia de Sá
31 de agosto de 2009

sábado, 29 de agosto de 2009

AMOR-APRENDIZ


(Para meu Amor...)



"É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!"






(...)



"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo...
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares ...
É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la...
Teremos ficado...
Para sempre...
À margem de nós mesmos..."


(...)


"Quero ser o teu amigo.
Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias..."

(...)

"Enquanto não superarmos a ânsia do amor sem limites,
Não podemos crescer ocasionalmente.
Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão,
Continuaremos a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é necessário ser

UM".


(Fernando Pessoa - Fragmentos Diversos)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

TEMPO


“É preciso prestar atenção ao tempo. Ele é importante para você, para as pessoas à sua volta e para as suas ações (...) ter respeito por si mesmo significa ter tempo para si mesmo. Ter respeito pelos outros significa ter tempo para os outros. Ter respeito para suas ações significa ter tempo para suas ações.

Você precisa ter uma outra concepção de tempo.

(...)

O que significa ter tempo para os outros?

O velho tinha sempre tempo para tudo. Mas às vezes também é necessário tempo para si mesmo. E, em algum momento, o tempo de cada um também iria se encerrar...”

*Trecho do livro “Buda – o encontro do equilíbrio”, de Werner Schwanfelder. Ed. Vozes.
.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Para nos ler, Amor...

(Com Ternura para meu Amor)





"Entre muitas outras coisas, tu eras para mim uma janela através da qual podia ver as ruas. Sozinho não o podia fazer".

















"Só podia encontrar a felicidade se conseguisse subverter o mundo para o fazer entrar no verdadeiro, no puro, no imutável".


















"Não é necessário sair de casa. Permaneça em sua mesa e ouça. Não apenas ouça, mas espere. Não apenas espere, mas fique sozinho em silêncio. Então o mundo se apresentará desmascarado. Em êxtase, se dobrará sobre os seus pés".
















"Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós".










(Franz Kafka )





quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Rua dos Cataventos - I
















Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...


Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...


Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!





(Mário Quintana)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

CEM ANOS DE SOLIDÃO

Um casamento fugitivo que dera origem a sete gerações da família “Buendía-Iguarán” é o ponta-pé inicial para abordagens viscerais acerca das relações humanas. Um enlace entre primos legítimos, jovens apaixonados que tinham medo de que seus filhos nascessem com um “rabo de porco”, caso mantivessem relações sexuais. Em meio a esse temor, José Arcadio Buendía rapta e casa-se com sua prima Úrsula Iguarán, dão vida a três filhos saudáveis e sem o tal “rabo de porco”.

Imagens mágicas e poéticas são traduzidas como representações da condição humana, contendo as angústias, revoltas e esperanças dos moradores da cidade fictícia de “Macondo”.O romance fantástico-realista começa quando “as coisas não tinham nome” e segue até o período da chegada do telefone. José Arcadio Buendía atravessa pântanos, terras encantadas e perigosas para fundar sua própria cidade e ser feliz com sua recém criada família – surge fora do mapa, a mítica cidadela de “Macondo”, onde vez por outra aportavam ciganos trazendo as novidades, estranhezas inventadas por seu povo e notícias do mundo afora.

Um deles – Melquíades, ensina ao patriarca dos Buendía alguns segredos de Alquimia. Os experimentos e invenções dele ficam registrados numa língua estrangeira e dão corpo e vida a um livro velho e inacabado, que no futuro será decifrado por um dos descendentes da sétima geração da família Buendía (um filho bastardo: Aureliano Babilônia). O rapaz virá a receber “aulas” e pistas, diretamente do espectro de Melquíades, para decifrar o enigma contido no acervo. As escrituras contêm a saga de seus antepassados e um segredo profético para a própria linhagem dos Buendía.

Uma narrativa romântica e épica fascinante, caracterizada por alguns estudiosos como uma “enciclopédia do imaginário” e também como “realismo fantástico”. A trama é composta por 28 personagens semi-centrais (linhagem da família Buendía), sendo os patriarcas os principais da saga. As demais histórias giram em torno das personagens-protagonistas – José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, com tamanha importância quanto.A maneira fenomenal de (d)escrever e(re)inventar “Macondo” e as personalidades e situações vividas pelos Buendía é o que mais chama atenção.

O escritor colombiano Gabriel García Márquez presenteia leitores do mundo inteiro com o dom de sua imaginação e poder simbólico através da escrita, essa é a genialidade e valor inestimável de Cem Anos de Solidão, que foi considerado, em março de 2007, no IV Congresso Internacional da Língua Espanhola, realizado em Cartagena, como a segunda obra mais importante de toda a literatura hispânica, ficando atrás apenas de Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes.

Para penetrar nos segredos contidos em Cem Anos de Solidão, o leitor deverá compreender um pouco sobre a própria história política da Colômbia e do escritor. Gabriel García Márquez utiliza muitas histórias da sua época de infância, contadas pelo seu avô materno (Nicolás Márquez), veterano da “Guerra dos Mil Dias”. Seu avô tinha muitos relatos, fatos… memórias que alimentaram a imaginação do menino Gabriel, que muitos anos depois, ao tornar-se escritor, dissera certa vez: “todo escritor escreve sempre o mesmo livro – o livro de sua própria vida…”.

O sobrenome de “Úrsula Iguarán”, é o sobrenome da mãe de “Gabito” (apelido de García Márquez).Segredos e fatos memoráveis da infância do escritor são descritos em Cem Anos de Solidão, histórias incríveis narradas de maneira tão sobrenatural com toques de verossimilhança, que o leitor se pega construindo visualmente cenas como borboletas amarelas seguindo os passos de um rapaz por onde quer que ele vá; a epidemia de “perda de memória”, em decorrência da insônia coletiva que assola os moradores de “Macondo” durante muito tempo; o desaparecimento a olhos vitos de uma moça (“Remédios, a Bela”), que à frente dos seus simplesmente “ascende” aos céus devido uma experiência transcendental… e por aí vai.

O importante na obra é observar como García Márquez coloca as personagens dentro do contexto sociocultural da Colômbia, os personagens carregam pequenas críticas sobre o comportamento social ao longo da história do País latino. Esse aspecto aparece tão sutilmente mascarado pela maneira de escrever, que pouco (ou nada) se percebe. A personalidade da protagonista – a matrona “Úrsula Buendía”, uma mulher forte dos pensamentos e de força física, cuida do lar e da prole com tamanha dedicação e paciência, enquanto o marido largava-se em uma consumida “atividade febril dos nervos” em torno de seus experimentos alucinantes…

A mulher da casa e as crianças esqueciam-se a cuidar da horta, cultivando a matéria-prima para o preparo dos bolinhos com os quais Úrsula gerava a renda da família.Comportamentos culturais bastante comuns em núcleos campesinos colombianos dão os aspectos de “realidade” dentro do épico, de modo que na vida de García Márquez, tal aspecto foi presenciado no momento em que sua família deixa a cidade de Aracataca para morar em outro lugar, devido à crise nas plantações de banana, desdobramento que afetara a economia local forçando a migração das pessoas para outras possibilidades.

A migração é um fator bastante explorado no livro através das atitudes das personagens (os moradores de “Macondo” chegavam de outros lugares para se estabelecerem na cidadela em busca de melhores condições de vida, como aconteceu com a família de “Remédios”, por exemplo).A intrigante abordagem de fatos sociais globais, ora de maneira bizarra, ora envolvidos por uma aura mágica embebida de místérios e fascínios próprios das lendas e costumes dos iíndos colombianos, gerou essa linha compreendida como “realismo fantástico”, introduzida na América Latina por Gabriel García Márquez a partir da publicação de Cem Anos de Solidão (maio de 1967).

A trajetória literária do escritor sofreu forte influência de Metamorfose, de Franz Kafka e das Mil e Uma Noites (uma coleção de contos orientais compilados provavelmente entre os séculos XIII e XVI, obra clássica da literatura persa). Cem Anos de Solidão é leitura obrigatória a todo cidadão do mundo. Cheia de fascínio, magia e alusão à realidade, o livro nos remete a nossas próprias fantasias e memórias de infância.


Katiuscia de Sá
Em: 26 de fevereiro de 2009.

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Para ler um trecho do livro:
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O Antigo Idioma...



“Se quiserem que a mensagem dos deuses dirija a sua vida, procurem aquilo que se repete muitas vezes, pois é isso o que lhes transmitem a lição cármica que devem aprender nesta encarnação. A mensagem repete-se até que a tenham transformado em parte de sua alma e do seu espírito duradouro...”




(Pag. 163 – “As Brumas de Avalon”, livro três – O Gamo Rei).

AMOR...

(Para meu querido Amor, Vicente)

"Amor,
Quantos caminhos até chegar a um beijo,
Que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em tal não amanhece ainda a primavera.
Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
Juntos desde a roupa às raízes,
Juntos de outono,
De água,
De quadris,
Até ser só tu,
Só eu juntos...
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
A desembocadura da água de Boroa,
Pensar que separados por trens e nações
Tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos com todos confundidos,
Com homens e mulheres,
Com a terra que implanta e educa cravos".

(Pablo Neruda)



"Antes de amar-te, amor,
Nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono".


(Pablo Neruda)

SETE CIDADES (fragmentos)

"Já me acostumei com a tua voz
Com teu rosto e teu olhar

(...)

Quando não estás aqui
Sinto falta de mim mesmo
E sinto falta do meu corpo junto ao teu...

Meu coração é tão tosco e tão pobre
Não sabe ainda os caminhos do mundo

Quando não estás aqui
Tenho medo de mim mesmo

E sinto falta do teu corpo junto ao meu

(...)

já me acostumei com a tua voz
Quando estou contigo, estou em paz

Quando não estás aqui
Meu espírito se perde,

Voa longe...
Voa longe..."


(Renato Russo)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O Antigo Idioma....


"Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma.
O sonho é o que temos de realmente nosso,
De impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso"

"Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência"

"Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar"



"De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos"

"O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é"

"Ter opiniões é estar vendido a si mesmo.
Não ter opiniões é existir.
Ter todas as opiniões é ser poeta"

"Amo como ama o amor.
Não conheço nenhuma outra razão
Para amar, senão amar.
Que queres que te diga,
Além de que te amo,
Se o que quero dizer-te é
Que te amo?"




(Frases soltas de Fernando Pessoa)

domingo, 23 de agosto de 2009

CARTA PRIMAVERA


(Para meu Grande e Único Amor, Vicente)





Minhas mãos chamam-se Vicente.
Estão elas (as mãos)
aquém de um corpo de carne.




Vicente esquerdo desenha mármores esculpidos.
Tão cristalinas estátuas,
Puseram em vida a caminhar sobre si mesmas
– Um balé de Luz.


Vicente direito, ferramenteiro!
Constrói edifícios...
Difíceis de alcançar o topo.
Arranham os céus sem muito esforço.
E de lá,
Vicente direito envia-nos pequenas cartas,
aviõezinhos a sorrirem nas paredes de meu castelo.





O castelo,
Feliz com os dois Vicentes que moram lá.




Um deles,
(o do firmamento),
Aguarda para abraçar Vicente escultor.
Este,
(o escultor),
Por escolha,
Dá Luz a mármores puríssimos.




Ambos Vicentes
Vivem no castelo...
Q’Soul da Primavera.












Katiuscia de Sá
07 de agosto de 2009

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A FLECHA DE FOGO

Com sua flecha de fogo, abrira o Caminho.
Os “Justos” teriam de atravessá-las mais cedo ou mais tarde...

Na contemplativa Ponte dos Mortos, havia um grande barco à espera.
Todos ali já foram algo na vida. Menos o pequeno Gustav. Não saberia ele perceber-se alheio àquela atmosfera de baganas arremessadas imitando flechas iluminadas, abridoras de caminhos.

Sobre seus olhos uns céus rubros, envergonhados de saberem o que aconteceria dia após dia com àqueles que atravessavam a ponte (à nado), sem a paciência de esperarem pelo Barco com as cabeças de caveiras desenhando-lhe carrancas e mais carrancas a ornamentarem a pele de madeira que revestia a nau.

O carinho das marés depositava pequenas Algas que zombavam dos musgos apertadinhos por entre as frestas entupidas de maresia. Impunha-lhes um Silêncio doentio, com tamanha estupidez e arrogância, que fazia todo o mundo subterrâneo fechar-se de vez para o mundo daqueles que esperavam a carona da nau...

Gustav lera certa vez, que quando os humanos sonham, é porque deus deita-lhes pequenas salivas de Vida. E Gustav era uma dessas gotas. Nascera do entrosamento entre um orvalho amanhecido e uma folha amarrotada de carvalho. Era mudo e surdo desde que nascera, escapando-lhe a Visão, que por sorte abria-lhe outros Mundos.

E ontem o menino Viu.
Ouviu.
E falou com uma voz tão imponente que até mesmo os gatos do telhado do vizinho pararam com suas orgias madrugueiras, e puseram-se a olhá-lo com aqueles olhinhos de faróis na madrugada. Tiveram medo de vê-lo em dois. Correram a espalharem-se pelos telhados outros.

Gustav pronunciara pela primeira vez uma palavra, e ninguém estava presente para ouvi-la. Pronunciara o nome do barqueiro que levaria a todos de volta ao Mundo dos Mortos.

Menos ele, Gustav, conseguia ouvir a si próprio. Estava tão afogado pela estupidez e ignorância das algas e musgos esfolados da nau atravessando seus ouvidos tao puros de Som... que ficou ali:


Surdo,


Mudo,


E morto...


Katiuscia de Sá
19 de agosto de 2009.

(...)

"A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado.

Palavras que me aceitam como
sou – eu não aceito.
Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas,

que puxa válvulas,
que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva


etc. etc.

Perdoai

Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas."





(Manoel de Barros)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Carta Última - O ENFORCADO!

Olhos vazados, num instante de fúria!
Os chãos arrancados do Firmamento
Palavras não bastam!
Palavras não chegam!

Explicação...

Do lume da resistência profana
O ouvido não ouvia.
Nada!
Nada!
Palavras-mudas não mais!
Lamentos últimos
Das últimas horas em Vida.
O Ódio – irmão gêmeo do Amor, interveio.
Implodiu na veia-mística
Algo intolerável:
Glóbulos Brancos
Glôbulos Brincos
Glândulas Bravas
Gânglios Brios...














Todos cortados


















Nem folhas...




















Nem galhos...


















Nem árvores...
















Nem vento...



















Nem vento...

























Deserto reinou por todo horizonte.
























“V” morrera sob a escolta do Dia.




















“V” morrera com pensamentos vermelhos...
Dia este, em que Ela retirava-se de Tudo.

Não há sorrisos na espera.
Nem beleza em quem morre.
Inicio e fim, num mesmo laço.

Os últimos guerreiros
da Antiga Linhagem,
Vencidos!
Não mais existiam!
Correnteza sem término.
Deserto enlouquecia!


















Deserto...






















Deserto...





















Apenas Deserto.









(...)












O Tempo em espera,

















Língua Sagrada dos Ventos,
Emudeceu.
Nem ouvidos para Música Celeste,
Ele sentia!

Sem os passos de Quem anda
Havia o Ódio do grito silencioso da pena sob o papel
- acúmulos de dias...













Soltou-se das amarras.
















Ele não explica,



















Nem compreende...






Ela ingênua criança,
Perdendo-se aos corredores da Vida.



















Acumulo de Noites.





















Tal Loucura sobrevive,
Enquanto me retiro para todo Tempo.


(...)


A impaciência vermelha na cabeça dele
Cega-lhe a fala e a faca de gargantilha.

Dele, olhos sem Visão
Música em silêncio
Numa dor dela não sentida.

A Loucura venceu!
E a Serpente abriu a boca
Soltando-se das entranhas suas,
Vomitando:
- humanos malditos!

Sem asas como d’antes
A Terra será prisão das Vertigens.
















De Amor,

















De Dor,














De Quem não mais partiria...









(...)










No poleiro das raças de Bronze
Uma pepita de Ouro cintila
Não é de Ninguém,
De Ninguém, nunca será.
Ninguém nunca viria...

Fecharam-se para o umbigo da Terra
Teu Vazio e teu Mistério,
Raízes cozidas nas fendas subterrâneas
- teu sorririso coração.

“V” arrancou-se a si próprio,
Morrera envenenado
Pelas coisas não-ditas.
Vazou os Olhos dela,
Criança-Azul do Firmamento

De lá, veio.
Para lá, voltou!

- humanos malditos!
Raça de pedra e latão,
De olhos brancos como caules partidos
Escorrem sozinhos junto ao pranto da Terra

Relâmpagos raivosos
- silêncio Dele
Para Ela
Que nada nunca sabia...
























Silêncio...
























Silêncio...
























Silêncio...


























Silêncio...


























Morte.




















Música não mais,




























Nem Visão...




















Chuva precipitou
Varreu do Mundo,
A última Decisão.

Nada havia
Nada haveria
Nunca houvera...













A boca se fechara.













E de uma fenda triste
A Horta-de-Sonhos, aparada!
Nascera a semente contrária do Amor...
















Ladrões de Alma!
- humanos malditos!






(...)








Gamos enfeitiçados das Florestas
Gritavam pelos prados...

Em meio à dor
Da Canção-incompreendida,
Os Imortais libertaram mais um Anjo da Terra.


















Então,





































Ela se foi
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Katiuscia de Sá
18 de agosto de 2009.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

SUSPIRO DAS RAÍZES


A Beleza é feia
A Perfeição dói...
A vida desmata-se no vazio das formas,
O suspiro das raízes a refaz...
Das águas brotam o raso da dor
Meus filhos não nascerão para ramificarem-se em ramalhetes.
O fertilizante da terra moveu-se,
E a Flor mais rara e pura pede socorro
(não há par no deserto...)
Apenas miragens que lhe sombrearam os olhos.
Mas a vida continua no pequenino suspiro das raízes.
O solo se refaz a todo instante,
E a Flor mais rara e pura
Move-se sobre a infértil face da terra,
Através de um tenro suspiro.


Hellen Katiuscia de Sá
04 de abril de 2008

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

PARIDADE


“Cuidados excessivos dela tornaram-se pesadas preces sobre meu corpo ainda em formação. Sua fé em mim não foi forte o suficiente para tornar-me sol dentro de seu próprio ventre. Minha mãe arruinou-se em mim desde o instante em que tentou negar-me a vida dentro dela – pesada decepção prematura...


Tal evento torna-se agora literatura barata como consolação... E nessas linhas sepulto de vez, o maior trauma desta minha vida terrena.” Após escrever a carta, Joannes lançou-a ao mar. As libélulas graciosas, ali esvoaçantes, carregaram o manuscrito até as mãos de Netuno Soberano. Ele, então, leu o triste pesar e apiedou-se de Cassandra Pedra, que presenciara tal horrendo ato cometido pela obscura mãe de Joannes – que tentou enterrar a filha antes mesmo da criança poder contemplar as estrelas virgens.

O rei dos mares transformou-se em brumas, indo sepultar-se aos pés de Cassandra Pedra, tornando-se garboso laguinho. Iniciou formosa conversa com a testemunha. Queria saber paradeiro de Joannes. A resposta foi imediata! “Joannes nascera Rei Feminino. Padeceria por esse motivo em terras duais. Sua essência aguda não teria paridade neste mundo de terra batida... ao menos que encontrasse sua Rainha Masculina. Mas isso seria difícil...”

“Mas não impossível...”, retrucou Netuno Soberano. “Quero ajudar Joannes a encontrar sua própria carta jogada ao mar”. O rei dos oceanos voltou ao fundo azul e chamou todos os peixes e viventes diversos das águas. Ordenou-lhes caçar o paradeiro da Rainha Masculina. Sob os olhos dos humanos, seria um “Homem”, e Rei Feminino seria uma “Mulher”. Quarenta e cinco anos passaram-se para um, e trinta e dois para a outra...

E num sopro de Júpiter, um dia Joannes esbarrou em Bordadus. Ambos eram míopes, tartarugas e hipopótamos... Como foi difícil olharem-se uma segunda vez! Contavam os deuses, que nesse dia (o do encontro), todos os anjos lançaram seus olhares sobre a Terra. E da mãe de Joannes, soube-se que caiu sua fertilidade desde o dia que pôs na boca saturado veneno para abreviar os (ainda) futuros dias de Joannes – sua mãe, terrível bruxa das trevas, nunca mais pôs os olhos na filha, agora cria do mundo.

Bordadus estava vencido! Sua auto-piedade afundava-o profundamente nos lagos da amargura. Achava ele que não havia mais nada além de seus solitários dias. Perdera as cores dos olhos e a vida transformara-se toda num enorme papel carbono. Para Joannes era o contrário.

O mundo era infinitamente colorido como a eterna coragem de viver intensamente veloz cada minuto de sua vida. Joannes – o Rei Feminino era sagaz! E Bordadus – a Rainha Masculina, sensivelmente machucada pelo Destino Pagão ao qual se entregara desde cedo... e agora sua redenção estava bem diante de seus olhos, e mesmo assim Bordadus não conseguia enxergar. Netuno Soberano irmanou-se com Júpiter, pedindo-lhe para que lançasse sobre os olhos de Bordadus a Luz da Visão. Ele viu por fim... empalideceu, emagreceu, enlouqueceu e morreu para renascer dentro de Joannes. E hoje em dia eles não são mais “eles”. Apenas são.


Katiuscia de Sá
01 de janeiro de 2008.

CARTA UM - OS VERDES


De onde eles vêm?
São tantos para tão pouco espaço.
Dos secos a cada instante de festa organizam-se em pares,
em trios,
em grupos,
em gritos velozes pelo tronco,
feio facas afiadas ao alvo giratório.
Não paravam enquanto todos não estivessem sobre-cabeças.
Desviavam-se...
E eu ali,

permanentemente impermanentemente
Cada vôo, imperceptível
À boca do abismo celeste
ao som de uma gritaria de felicidade.
Várias medalhinhas verde-escuro
verde-claro saltitavam sobre mim
e ao redor de mim numa fúria de vida.
Não resistia à música-celebração.
O rei não estava mais e ninguém percebeu.
Seu castelo havia despedaçado.
Cada parte tinha seu herdeiro no mundo.
Passávamos à Rua das Cobras
onde as luzes levantavam-se vagarosamente,
perturbando o bradoemudecido.
E o rei cortejava a felicidade imanente,
“a vitória hoje de ambos, animou-me.
Orgulhei-me de minha ausência...
Mas, ninguém anotou o acontecido
– vida constante pulsando,
inspecionada a cada monumento adormecido”.
Cheirava sabonete doce-de-rosas,
o doce que nos acompanhava...
a música para fora do ouvido
enchia tudo de flores rotativas ao longo da espinha,
estavam em ti,
estavam em mim...
A escuridão avançava no escrevedor-do-campo,
enobrecia as horas curvadas ao linho do papel amarrotado,
deixava passar-se e ficar,
permanecer,
eternizar-se fugazmente.
O capim esculpido devorava o resto do dia,
num assombro de fome de viver.
O mármore sobreveio,
olhou-me,
sorriu,
virou pó...
poeira em narinas alheias.
Continuavam chegando,
em pares,
em trios,
em grupos,
em bandos.
Ao barulho da festa
Ele se punha em movimento regressivo-progressivo.
Voltara o Verbo,
feliz no perfume do sabonete doce-de-rosas.
O anjo da Anunciação pôs o rosto fora do esgoto,
escorreu céu acima com tamanha facilidade,
não sobrou nem o bagaço da laranja!
Grafia imutavelmente colorida e absoluta!
Passados vinte e quatro daquele momento,
o Tempo perdido da esfera-irmã quis aguardar,
mas todo mundo já havia empuleirado-se,

Foram embora
Foram embora...
Foram embora...
Menos tu,
Menos eu...
Outro dia,
Outro dia.

Katiuscia de Sá
Belém, 04 de maio de 2009.

ESTRELAS NO CHÃO DO CÉU


Ele andava sempre com uma porta de janela pendurada sobre os ombros. Ninguém perguntava nada... Era comum todos por ali andarem com objetos nas mãos, ou pendurado sobre partes do corpo. Eu estranhava, porém, aceitava. Cada um é como uma árvore num imenso pomar, cada qual se “carregava” do que quisesse.

Andavam uns sobre os outros às vezes, mas não se machucavam, flutuavam. Era lindo, porque cada roupa era de uma cor perolada diferente. Então, meu amigo virou-se para mim e disse: “essa é tia Amarela. Ela nos guiará desse trecho em diante”. Os aviadores pararam de conversar nesse instante. Olharam-se e depois para mim e para Sohtero. Não adiantaria qualquer coisa que nos dissessem. Iríamos de qualquer jeito sob a escolta de tia Amarela.

Já nos juncos, corríamos os olhos sobre o mar distante. Havia um navio, o mesmo que deveríamos entrar para eu sair da ilha. Tia Amarela havia cumprido o trato, trouxera-nos a salvos até o cais. Dali por diante seria por nossa conta.

Sohtero propôs que andássemos sobre as águas até a nau. Eu não quis, iria cansar muito. Daí, avistei um botão atirado ao chão. Reconhecemos. O colete de tia Amarela ficara desabotoado na altura do pescoço. Eis o botão caído!

Atravessamos a baía deitados sobre o botão, ele era suficientemente grande para sobreviver conosco sobre as águas, ou éramos pequeninos o necessário para não afundarmos todos em cima daquele botão de roupa.

Ao chegarmos, a moça dourada cantarolava sua música. Era tão magnífica, suave como uma partícula de neve. Sua voz delicada enchia-nos o peito. Pena que ninguém pode ver a moça dourada. Munique ficou tímida desde que se apaixonara uma vez por um cantor lírico do século XVII.

Ela foi morar dentro do coração do moço e ele se transformara numa pessoa narcisista e prepotente. Partiu o coração generoso de Munique, ela o tinha ensinado a cantar e ajudado a desenvolver seu talento de cantor, e deu naquilo... Depois da decepção, a moça dourada decidiu nunca mais se mostrar a ninguém! Apenas as crianças, até certa idade, podem vê-la, e alguns adultos sentirem-na, quando escutam na alma, a música que brota deles próprios...

Prosseguimos. Seria difícil encontrar o Capitão, pois ele sempre tomava as formas dos móveis e objetos do navio, e como chegarmos àquele estado das coisas? Tínhamos que tentar, ao menos! Os outros temiam o Capitão. Nós não. Nossa intuição dizia-nos que bem lá no fundo, o Capitão era generoso.

Examinamos lentamente cada objeto do convés; do camarote; olhamos as velas, e nada... Decidimos tomar a frente do navio. Aos poucos Sohtero e eu absorvíamos a rotina marítima. Até que compreendemos a mágica.

De tanto realizarmos as práticas do navio, tornamo-nos o próprio Capitão. Conseguíamos vê-lo em cada pedacinho que compunha o “Derradeiro Atirador de Flores”. E o conduzimos até a beira do horizonte. Lá estaria a porta pela qual eu deveria atravessar.

Sohtero não poderia atravessá-la comigo porque seu tempo era outro. Aliás, onde estávamos o tempo havia parado. Meu amigo estimado ensinou-me que quando o tempo pára, seja em qualquer lugar, as horas tornam-se Eternidade. E era lá que habitávamos, mas eu estava de viagem marcada. Tinha de atravessar a porta. Era a minha vez de conhecer o tempo.

É estranho porque ainda não me acostumei com o “tal” do tempo. Para mim ele continua não existindo. Toda vez que isso acontece lembro-me da risada gostosa de Sohtero, advertindo-me de que seria difícil para mim... Seus dentes de estrelas iluminam-me os pensamentos até hoje.

Tenho pena dos pobres aviadores, pois de tanto temerem ir além do trivial, nunca conseguirão subir aos espaços, enquanto que Sohtero e eu, que apenas temos pernas, já percorremos todo o sideral oceano. A gente consegue ver o mar tranqüilamente quando de madrugada, todas as luzes das cidades estão apagadas. Navegarmos à vontade...


Katiuscia de Sá
31 de dezembro de 2007

LIBERDADE



(Para meu Amor)


"Nos meus cadernos de escola
Na minha mesa e nas àrvores
Na areia e na neve
Escrevo teu nome

Em cada página lida
Em cada página em branco
Pedra, sangue, papel ou cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens douradas
Nas armaduras dos guerreiros
Na coroa dos reis
Escrevo teu nome



Na floresta e no deserto
Nos ninhos e nas ciestas
Nas lembranças da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus retalhos de azul
No charco que é sol mofado
No lago que é lua viva
Escrevo teu nome

Nos campos e no horizonte
Nas asas dos passarinhos
No moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na àgua do mar em cada navio
Na montanha desvairada
Escrevo teu nome

Na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva espessa e enfadonha
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
No carrilhão das cores
Na simples verdade concreta
Escrevo teu nome

Nos atalhos revelados
Nos caminhos desdobrados
Nas praças transbordantes
Escrevo teu nome

Em cada luz que se acende
Em cada luz que se apaga
Nas minha coisas reunidas
Escrevo teu nome

No pomo partido ao meio
De meu espelho e meu quarto
No meu leito concha vazia
Escrevo teu nome

No meu cão faminto e meigo
Nas suas orelhas atentas
Na sua pata canhestra
Escrevo teu nome

Na soleira da minha porta
Nas coisas da minha casa
Nas ondas do fogo sagrado
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão estendida
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios esperançosos
Muito acima do silêncio
Escrevo teu nome

Nos meus refúgios destruídos
Nos meus faróis destroçados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão toda nua
Em cada degrau da morte
Escrevo teu nome

Na saúde que voltou
No perigo que passou
Na esperança sem saudade
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Reconheço a minha vida:
Nasci para te conhecer
E para te amar,
Liberdade"





(Paul Éluard)

“A URGÊNCIA DE KRONOS” (Fragmento I)

(autor desconhecido)


“Preciso viver a cada instante, o tempo todo, gritar o grito apaixonado que se confunde com a loucura, e com os esforços redobrados, pois a Liberdade me cerca. Estou livre numa sala e ordeno-me que permaneça livre naquela sala, mas não quero ficar lá sozinho.

Procuro então, cada vez com mais freqüência, este caminho na terra margeado de pequenos campos. Mas isso não significa uma fuga. Este caminho no campo onde uma roseira selvagem cresce sozinha num declive, é um prolongamento da minha realidade. Um poeta errante com um pequeno relógio.

Não preciso encontrar a Paz num mundo imaginário. Até mesmo prescindo de Paz. Minha Paz é doutra ordem, de ordem dialética. Também não há dois mundos (um real e outro imaginário) e, assim sendo, não preciso abandonar um pelo outro. Estou livre num único mundo e nele posso perder, até mesmo minha Liberdade.

Talvez nos fins dos fins, baste que eu consiga uma única coisa: entregar minha Vida como mensagem clara e inteligível. Mas o fim dos fins acontece a cada momento presente. Este relógio em que penso, minha esperança depois de tantas derrotas. A prova de meu AMOR.

Não preciso dormir e em minha eterna vigília estou voando...”

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A CASA (fragmentos). Autoria: Katiuscia de Sá

<<"Menino-de-Asas"

Criação e Desenho:
Katiuscia de Sá



(...)

As paredes brancas, de uma paz consoladora. Tristes e solitárias. Atrás daquela pintura serenamente branca, havia lembranças. Uns risos pelos corredores, salas e aposentos. Na cozinha um aroma antigo de chá de mato. Lágrimas e soluços no quarto da menina... O vento carregava tudo de um cômodo a outro. Um vendaval por dentro, calmaria por fora. O Casarão.
Duas luminárias lambendo a parede exterior. Nunca adormeciam. O tempo das horas não importava muito, posto que o que está esquecido não necessita da precisão dos relógios. E quem escreve, também adormece em cima do que escreve.


Silêncio mordaz. Os carpetes gastos lembravam-se com muito esforço das festas, das valsas, dos risos. Tudo sepultado abaixo das areias. As duas poeirinhas puseram-se a rastejar com ajuda do vento que circulava vez por outra. Foram compreendendo o que era ali. ”É um Casarão...”, deduziu a primeira criança, mas uma Casa não se movimenta de um ponto para o outro. Essa Casa se movimentava tanto fora, quanto dentro. E o vento invadindo os quartos de janelas abertas. “Estavam realmente abertas?”. Na verdade a certeza não era bem-vinda.
Tudo estava por detrás das coisas. Tão detrás quanto um sonho que rebenta de repente num mundo de origens outras, luminosas, velozes e barulhentas. Uma cachoeira de cristais bem ao meio na sala. O garotinho ilhado num remoto pedacinho de terra firme. Não chorava, arquitetava logicamente como libertar-se de sua pequenina prisão – brincadeira sem graça da força das marés!


O lago foi engolido em volta da pequena ilha. O menino bebeu atmosfera, caminhou afundando, lançava sua cabeça para fora. Compreendeu o mecanismo da vida: respira-se com a fronte sobre as águas enquanto o corpo flutua pesadamente no cotidiano... o importante é salvaguardar a mente. “É, a mente...”
(...)
“Mas se o quê foi, tornou-se passado, continua sendo... portanto, ainda É; não Foi. Permanece...”, confundiam-se as poeirinhas amparadas numa das esquinas-aposentos.
“Não se pode fazer nada, mantendo-se imóvel...”
“Mas o pensamento, pode...”, observou seu coleguinha poeira. Queriam passar de um cômodo a outro. Quando outro rastro de vento percorreria o interior da Casa, emprestando mobilidade e encantamento às coisas? Ninguém saberia dizer.

Mais pássaros rasgavam o céu do lado de fora. Gritavam o nome Dela. “Ela está aqui dentro...”, espantou-se a poeirinha esperta!
“Mas o menino-réptil que agora é alado?”
“Ele é Menino-de-Asas, não Sorrisos-Olhos...”, protestou a outra poeira. E agora o infante não queria mais nadar. Queria voar...


E uma lembrança latente querendo despertar na atmosfera esquecida em um dos quartos. Porém, para que algo seja lembrado necessário se faz a presença de alguém para que essa lembrança venha à tona.
Esse “alguém” és tu.
Sim.
Tu.
Tu mesmo!
Tu que me olhas...




Katiuscia de Sá
Belém/Pa
2009


quarta-feira, 12 de agosto de 2009

CETIM (fragmentos)


Ele orou sobre a cabeça dele e sobre a cabeça dela. Uns laços de cetim flutuaram no espaço. A angústia de anos soltava-se dos peitos oprimidos e estremecidos pela fuligem seculare. Fluíram líquidos amores... O ofegar fez apagar as velas, e o leito disfarçou-se de gelo-neblina.

Caminharam até um poste, este apagado. Apenas a Lua escarlate sobre eles a latir no céu manso. Estrelas amordaçadas num lamentar silencioso e triste, puseram-se a observá-los. Eles passearam por ali deixando Esperanças. Ele, porém, nunca calculava o Tempo. Haveria de nascer novamente. E nasceu. Ainda despia de si os resquícios dos Ontens.

(...)

– Ó Lua, escrava das atmosferas...

Baixava Ela até a Azul-Terra do firmamento, deixando as nuvens enciumadas – derramaram-se sobre os chãos! A Vitória. A pena dele não mais era nele. Ela agora escrevia.

Escrevia enquanto andava,
Escrevia enquanto sorria,
Escrevia enquanto sonhava,
Escrevia enquanto dormia...
Quase fora atropelada por um cometa desavisado, passou rente à calçada.

Ela escrevia num pedacito de papel cem borboletas desenhadas. Mas na vida todos devem dar conta do que escrevem... e borboletas elegem uma flor para beijarem.

Ela já escolhera sua Flor.

(...)

O primeiro gato apareceu – velho e dourado.
O segundo gato apareceu – criança e cristalina...
O terceiro gato apareceu – jovem e amordaçado.

Então Ele juntou Esperanças dos chãos – suas mãos não mais vazias, pois. Folhas escritas por Ela. Tudo numa noite onde a Luz escarlate lunar flutuava navegantemente lânguida.

(...)

Eles eram!
Gritaram com todos os membros do Corpo, dilatando os pulmões às estremecidas!
Pernas soltas leram o que não podia ser lido.
Fizeram o que não poderia ser feito.
– Liberdade!
– Liberdade!

(...)




Tritão conquistador!



(...)



Um Sol alado refugiava-se nos ventres deles.
Amor pousado nas águas... Brincava nas ondas.
Tudo isso ele orou sobre a cabeça dele e sobre a cabeça dela.
Recomeçaram a viver...

Casaram-se naquela madrugada

(...)

Os lençóis amassados foram testemunhas do enlace...
Fitas de cetim.


Katiuscia de Sá
Em:
01/08/2009