“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quarta-feira, 31 de março de 2010

terça-feira, 16 de março de 2010

Maximiliano Aguilara


Quando quis se levantar deu com cara na porta. Observou escuridão total e absoluta. Seriam os sonhos remexidos já antes mesmo do nascer do sol?

Não quis saber, tentou novamente erguer umas das pernas. Não pôde, apertado estava igual sardinha em lata. Quis compreender, posto que vagasse naquele momento hirto atrás das casas de Vila Santiago, tal quando menino. Parecia apanhado ao lombo de seu cavalo, “Minotaurus”.

Sua infância, marcada pela queda.
Aos sete anos, perdeu parcialmente os movimentos da mão direita. A vida lhe deu a opção sanguínea de torná-lo canhestro. E assim foi sugerido.

Seus olhos, furtados da boa educação. Necessitou de óculos para sondar-lhe a face. Ficou de aspecto sério. Menino-moço bonito. As garotas gostavam. Pendurou na cara um tabuleiro ríspido. Endureceu, com olhos de falcão à caça, bebia o mundo inteiro numa só golada!

Lembrou-se de suas corridas nos campos com “Minotaurus”. Lembrou-se como relâmpago! Fora sua última queda. Por impertinência à tia, escorregou pelo salão a fora, indo aparecer nas quebradas do quintal agourento. Encontrou “Minotaurus” sozinho, mastigando mato longe dos adultos. Trepou-se montador, debruçaram pelas pastagens de Santa Castilla até a tardinha.

Quando já próximo ao quintal do início, trombou com uma cobra, “Minotaurus” arregalou-se! Empinou-se pra trás, o menino beijou o chão...

Todos choravam o filho do capitão Sereguello. Maximiliano Aguilara o único herdeiro. O ano de 1879 fora difícil, dona Mannuela não seria mais visitada por Nossa Senhora de Guadalupe... Ficou “Minotaurus” ao canto, mastigando capim como se nada de extraordinário acontecesse.
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Katiuscia de Sá
16 de março de 2010

Meus Desenhos

"A Conquista do Boto"
Desenho: lápis 6B e esfuminho
Presente ao cineasta Camilo Cavalcante, quando esteve em Belém ministrando oficina de direção para cinema (fevereiro/2010).
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"Homem"
Desenho: lápis 6b e esfuminho.
Este desenho faz parte de uma trilogia "Homem, Mulher, Criança";
"Homem" está na primeira edição da revista eletrônica IdeaFixa Art-e-Magazine.
Confira a edição completa no link: http://www.ideafixa.com/1/flip.php

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"Mulher"
Desenho: lápis 6b e esfuminho
Este desenho faz parte de uma trilogia "Homem, Mulher, Criança";
"Mulher" está na primeira edição da revista eletrônica IdeaFixa Art-e-Magazine.
Confira a edição completa no link: http://www.ideafixa.com/1/flip.php

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"Sorriso de Mulher"
Desenho: lápis 6B e esfuminho
Presente ao meu amigo-poeta Carlinhos (Carlos Correia Santos)

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"Rosa"
Desenho: lápis 6b e esfuminho
Este desenho está na primeira edição da revista eletrônica IdeaFixa Art-e-Magazine.
Confira a edição completa no link: http://www.ideafixa.com/1/flip.php
Presente à minha querida professora Bene Martins

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Exercício de desenho (luz, sombra, volume)

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Exercício de desenho (luz, sombra, volume)

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Exercício de desenho (luz, sombra, volume)

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Exercício de desenho (rosto humano)

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"Aviolã"
Óleo sobre tela, fui a única representante do estado do Pará no IX Circuito Internacional de Arte Brasileira, promovido pelo CollegeArt, em 2004. "Aviolã" percorreu Portugal, Madri, Londres e Belo Horizonte.


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"Cactos do Brasil"
Óleo sobre tela, fui a única representante do estado do Pará no IX Circuito Internacional de Arte Brasileira, promovido pelo CollegeArt, em 2004.

"Cactos do Brasil" percorreu Portugal, Madri, Londres e Belo Horizonte.
Presente ao cineasta Camilo Cavalcante, quando esteve em Belém ministrando oficina de direção para cinema (fevereiro/2010). Esse óleo sobre tela também foi presente ao cineasta brasileiro Camilo Cavalcante.



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Para conferir mais exercícios, trabalhos diversos e desenhos de minha autoria, visite o link:
http://www.flickr.com/photos/hellenkatiuscia2/sets/72157594198425790/

sábado, 13 de março de 2010

A Dança



"Não te amo como se fosse rosa de sal, Topázio
Ou flecha de cravo, que propagam o fogo...
Te amo secretamente, entre a sombra e a Alma
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Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças ao teu Amor, vive escuro no meu corpo
O apertado aroma que ascende da Terra
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Te amo sem saber como, nem onde,
Te amo discretamente sem problemas nem orgulho

Assim te amo, porque não sei amar de outra maneira
Senão assim deste modo
Em que não sou nem és
Tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
Tão perto que se fecham teus olhos com o meu Sonho..."


(Pablo Neruda)

quinta-feira, 11 de março de 2010

um poema de *Alberto Caeiro

Imagem: René Magritte

Se eu morrer novo,sem poder publicar livro nenhum
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força.
Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva
-Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão
-Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e a chuva,
E sentando-me outra vez a porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraido.

Alberto Caeiro, 7-11-1915
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Uma, vez num encontro pra realizar um trabalho de faculdade, um colega de turma (Luiz Carlos), puxou-me o caderno e disparou a escrever. Ao terminar, dedicou a mim. Achei lindo o que li, era de Fernando Pessoa, melhor dizendo "Alberto Caeiro". Luiz Carlos é profundo conhecedor e admirador de Fernando Pessoa e de Machado de Assis, lembro-me da vez em que eu o presenteei com os volumes "Relíquias da Casa Velha", volumes raríssimos e que segundo ele, não são mais editados há muitos anos. Esses volumes eram da década de 30, se não estou enganada, meu querido avô tinha me dado de presente. Nunca consegui lê-los por falta de tempo ou disposição, sei lá... Resolvi entregá-los ao Luiz, dizendo que os volumes estariam mais bem guardados em suas mãos. Luiz sempre carregara na face uma serena solidão, naquele dia seus olhos brilharam, e ele sorriu. Nunca esqueci do rosto de meu amigo naquela tarde.
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*Alberto Caeiro é um dos heterônimos de Fernando Pessoa, poeta e escritor português, considderado juntamente com Luiz vaz de camões um dos maiores expoentes da língua Portuguesa.

TABACARIA - *Álvaro de Campos

Imagem: René Magritte



Não sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer ser nada.À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?), dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisasSenão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua.
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora. E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio?
Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
-Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;

Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê
-Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube.
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltadaE com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas.

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulaçõesE a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeiraE continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeiraTalvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!,
E o universoReconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
E o Dono da Tabacaria sorriu.


(Álvaro de Campos, 15-1-1928)
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Quando li Tabacaria, tinha entre 15 a 17 anos.
Chorei e passei a tarde e a noite inteira pensando em Pessoa.
Queria ter vivido à sua época em Lisboa,
queria tê-lo conhecido para conversar com ele e ter segurado sua mão,
para que não se sentisse tão só...
como eu me sinto desde sempre...
Escrever é um ato dessesperado de coragem,
um grito comportado que vai até as almas
e que ali se perpetua.
Escrever é fluturar disfarçadamente
para não chamar a atenção
E não deixarmos os outros perceberem
o quanto somos frágeis e lindos.
Escrever é fúria e raiva
de não podermos transcender a prisão de carne e ossos.
Escrever é sorrir e chorar sobre o papel...
Minha Alma
Que é só minha
e de Mim pertence a compreensão
(Katiuscia de Sá, 11-03-2010)
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*Álvaro de Campos é um dos heteronimos de Fernando Pessoa, (1888-1935, Lisboa), poeta e escritor português. Fernando Pessoa é considerado junto de Luís Vaz de Camões um dos mais importantes poetas de língua portuguesa.