Sofia era uma dessas garotas desligadas, dedicava tempo e
atenção suficientes apenas para a manutenção normal de sua aparência física.
Arrumava-se com vestimentas básicas, nada exageradamente. Beirava o recato do
necessário; amiga da sobriedade e do discreto charme cotidiano, tudo sem
grandes exageros e futilidade. A moça gostava mesmo era de deter-se em outros
passatempos, que não esses comuns entre a maioria das mulheres – bolsas,
sapatos, maquiagens, mexericos, etc... A tudo isso, preferia ela, coisas que acrescentassem
ao seu desenvolvimento intelectual, e por isso mesmo era meio apatetada de
outras coisas.
Embora fosse destituída de vaidade, chamava atenção quase
todas as vezes que pisava o pé fora de casa. De natureza tímida e reservada,
Sofia desconcertava-se sempre das vezes que recebia gracejos na rua... e não
eram poucos. Outro dia voltava ela do supermercado, passou totalmente displicente
próximo a dois rapazes, e um deles ao avista-la suspirou: “olha só que bebezona
ela é...”. Num repente, Sofia baixou os olhos, e com as faces rubras seguiu caminhando
fazendo de conta que não era com ela.
Numa noite voltava para casa após um compromisso. Sozinha, a
jovem caminhava calmamente na rua mergulhada em seus pensamentos, quando em sua
direção tornava-se mais vivaz o vulto de um rapaz pedalando uma bicicleta; e
este como que hipnotizado pela aparição mitológica de uma sereia do asfalto,
desatinou a gritar sem parar entusiasmado com os olhos vidrados em Sofia: “você
é linda, você é linda, você é linda...”, parecia que tinha visto algo
extraordinário! Neste momento Sofia pensou que o individuo iria sair voando da
bicicleta e pedir-lhe um autógrafo, sei lá...; depois dessa demonstração entusiástica
à sua desbotada pessoa, a garota quase saiu às carreiras enfiando-se rua
adentro.
De outra vez, outro rapaz numa bicicleta vinha-lhe ao
encontro, com os olhos radiantes e a face jubilosa, jogava-lhe beijos e mais
beijos em sua direção... Sofia baixava as vistas, desconcertada. Realmente a
moça não entendia esses espontâneos arroubos masculinos para ela, pois não se
considerava nenhuma “Mulher Maravilha”... ainda assim era selado quase todas as
vezes que saia à rua, havia sempre uma cantada para deixá-la sem graça. A mais
inusitada de todas foi da vez que ela entrara caminhando numa ruazinha de
mão única, e atrás vinha um carro vagarosamente seguindo-a descaradamente na
contramão; e sem mais nem menos o motorista emparelhou o veículo no meio fio, e
com um largo sorriso aparvalhado de orelha a orelha ele aguardou que a jovem o avistasse
também, momento que aproveitou a investida: “eu tô entrando na contramão por você... eu
juro, eu juro”. Então numa manobra o rapaz estacionou o carro e Sofia apressou
o passo, não dando tempo para ele saltar do veiculo e alcança-la. Mas até que
essa cantada arrancou um sorriso de Sofia, o rapaz ainda conseguiu
ver o rosto dela corado enterrado no chão.
Mesmo sendo a maioria desconcertante, há cantadas funcionais
também! Certa vez a moça estava para atravessar o sinal e não sabia se o semáforo
estaria para fechar aos transeuntes; ficou na duvida... mas um homem que estava
no banco de passageiros num veiculo bem na linha de pedestre a viu, e não deu
outra! Com aquela cara de encantamento – que Sofia já conhecia – o homem (bastante
solicito) pôs quase a metade do corpo pra fora da janela do carro. Imediatamente
num rompante de felicidade meteu o braço na avenida sinalizando para que os
carros atrás abrirem espaço, ele olhou para Sofia maravilhado e sorridente:
“pode passar... você merece! Você é linda... você é linda... você é linda, viu!”;
e meio sem jeito Sofia sorriu amareladamente, agradecendo a gentileza
enfiando-se rapidamente para o canto da rua onde não podia ser mais vista.
Outra vez Sofia quis enterrar-se de fato! Desejou tanto que
se materializasse um buraco bem a sua frente pra sumir dentro dele. Num
finalzinho de tarde estava ela praticando sua caminhada rotineira nas ruas, com
aquele seu jeito apalermado de sempre, quando parou num cruzamento. O transito estava
lento, com os carros meio engarrafados quando, de súbito foi surpreendida por
uma cantada pra lá de erótica. Um carro vinha-lhe por trás e emparelhou ao seu
lado. O motorista lambendo os beiços com uns olhos de fogueira pra cima de Sofia, sussurrou:
“Ôh...! Mas que bundinha boa pra gozar gostoso...”. Depois dessa, a jovem realmente imaginava algo para evitar esse tipo de abordagem. Teve uns pensamentos relâmpagos
e divertidos de sair na rua com um saco de papel enfiado na cabeça com uns
furos na vista; ou quem sabe vestir uma burca ou um lençol feito fantasma de
Halloween... mas descartou rapidamente aquelas meninices. A garota seguia seus
dias, e as cantadas também. Não tendo alternativa, resolveu então coleciona-las.
Katiuscia de Sá
18 de julho de 2013.
14:09H.
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*Todos esses episódios
aconteceram comigo (fora outros). Resolvi escrever essa crônica com tom
divertido para expurgar essas situações, que de fato me deixam sem graça. Mas,
confesso que vez por outra, dá vontade de sair à rua fantasiada de “Pânico”...
=)