“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

sexta-feira, 21 de junho de 2013

\o Brasil, mostra a tua cara!


*Também repassando o que as mídias sociais circulam para ajudar a clarear as ideias dos cidadãos brasileiros, neste tão lindo e importante momento histórico para o País:



“É assim que começa.
Esta é uma ideia que realmente deve ser considerada e repassada para o Povo. Lei de Reforma do Congresso de 2013 (emenda à Constituição) PEC de iniciativa popular: Lei de Reforma do Congresso (proposta de emenda à Constituição Federal).

1. Fica abolida qualquer sessão secreta e não-pública para qualquer deliberação efetiva de qualquer uma das duas Casas do Congresso Nacional. Todas as suas sessões passam a ser abertas ao público e à imprensa escrita, radiofônica e televisiva.

2. O congressista será assalariado somente durante o mandato. Não haverá ‘aposentadoria por tempo de parlamentar’, mas contará o prazo de mandato exercido para agregar ao seu tempo de serviço junto ao INSS referente à sua profissão civil.

3. O Congresso (congressistas e funcionários) contribui para o INSS. Toda a contribuição (passada, presente e futura) para o fundo atual de aposentadoria do Congresso passará para o regime do INSS imediatamente. Os senhores Congressistas participarão dos benefícios dentro do regime do INSS exatamente como todos outros brasileiros. O fundo de aposentadoria não pode ser usado para qualquer outra finalidade.

4. Os senhores congressistas e assessores devem pagar por seus planos de aposentadoria, assim como todos os brasileiros.

5. Aos Congressistas fica vetado aumentar seus próprios salários e gratificações fora dos padrões do crescimento de salários da população em geral, no mesmo período.

6. O Congresso e seus agregados perdem seus atuais seguros de saúde pagos pelos contribuintes e passam a participar do mesmo sistema de saúde do povo brasileiro.

7. O Congresso deve igualmente cumprir todas as leis que impõe ao povo brasileiro, sem qualquer imunidade que não aquela referente à total liberdade de expressão quando na tribuna do Congresso.

8. Exercer um mandato no Congresso é uma RESPONSABILIDADE, não um uma carreira. Parlamentares não devem servir em mais de duas legislaturas consecutivas.

A hora para esta PEC - Proposta de Emenda Constitucional - é AGORA. É ASSIM QUE VOCÊ, EU E TODOS OS CIDADÃOS BRASILEIROS  PODEMOS CONSERTAR O CONGRESSO.

*Se você concorda com o exposto, REPASSE A INFORMAÇÃO. Por favor, mantenha esta mensagem CIRCULANDO para que possamos ajudar a reformar o Brasil.”


*OUTRA INFORMAÇÃO IMPORTANTE:

"Na CENTRAL DE ATENDIMENTO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, você pode fazer um cadastro com o(a) atendente, através de ligação gratuita no 0800 61 9619 e votar em qualquer PEC que esteja em processo de votação... Basta saber o número da PEC, e votar. Atualmente estamos nos mobilizando CONTRA A "PEC37".

*Por gentileza passe a informação a diante e faça sua parte, lembrando que a única coisa que derruba o voto dos deputados é o voto popular."


[re]Constituição Brasileira!


Resolvi postar esse texto que foi disponibilizado no facebook, por uma professora do curso de Licenciatura Plena em Teatro/UFPA. O texto é relevante pela importância do raciocínio para o momento atual que o País está vivendo. Cada cidadão contribui na luta pelos direitos da população brasileira com a ferramenta que tem: uns raciocinam; geram pensamentos; outros agem, mas todos cidadãos unidos para o mesmo fim - o desenvolvimento da Nação. Segue o texto:

AS PAUTAS JUSTAS DOS ATOS E COMO
RESISTIR À TENTATIVA DE DESTRUÍ-LAS.
Texto escrito por: *Yuri Soares Franco, [19/06/2013]

"Nos últimos dias o Brasil tem sido sacudido por manifestações em diversas cidades. Como centelha inicial está a questão do transporte público, causadas pelo aumento da tarifa do transporte coletivo em várias cidades. Esta é uma reivindicação justíssima, e inclusive a revogação dos aumentos é apenas uma pauta imediata. Há uma discussão antiga e profunda sobre a questão do financiamento do transporte coletivo, que hoje serve basicamente como ferramenta de lucro de alguns empresários. Ao irem às ruas, surgiram também críticas decorrentes da violência policial. A Polícia Militar, como a conhecemos hoje, foi construída ao longo do tempo para ser exatamente isso: instrumento de controle da população e de defesa da propriedade. Isso também não é exclusividade do Brasil. Recentemente, ao ser questionado sobre a repressão violenta da polícia aos manifestantes na Turquia, o primeiro ministro turco respondeu que sua polícia utilizava os mesmos mecanismos repressivos que a polícia dos Estados Unidos e dos países europeus. Nesse ponto, ele tinha razão. Infelizmente a mídia e a direita (o que é um pleonasmo), após inicialmente chamarem os manifestantes de vândalos e baderneiros, resolveram fazer uma virada espetacular de opinião e passaram a apoiá-los. O problema é que esse apoio tem um objetivo muito claro: diluir as bandeiras legítimas dos movimentos ao mesmo tempo em que tentam inserir as suas pautas reacionárias e tentam capitalizar o movimento para os seus objetivos sórdidos. Esta virada foi sendo colocada quando a seguinte palavras de ordem foi sendo posta: “não é por centavos”. A partir do momento em que a pauta principal e inicial do movimento foi sendo escanteada, abriu-se espaço para que todo tipo de pauta fosse incluída: “contra isso tudo que está aí”, “contra a corrupção” de maneira vaga e despolitizada, “contra os impostos”, e até as mais recentes que já circulam nas redes sociais, como “contra a ditadura gay” e “pelo impeachment da Dilma”. Os slogans também foram sendo usados de forma a despolitizar. O pior deles é “O gigante acordou”. Este slogan é complicadíssimo. Carregado de ufanismo, ele simplesmente tenta jogar para a vala do esquecimento os séculos de lutas e resistências do povo brasileiro: os índios e suas guerras de resistência, os negros e seus quilombos, os movimentos feministas e suas marchas, a classe trabalhadora e suas greves, os trabalhadores rurais e suas ocupações, o movimento estudantil e suas manifestações… Para os setores reacionários nenhuma dessas lutas vale, já que sempre estiveram do outro lado, dos exploradores, da elite. Há um discurso nestes setores, de que “é necessário acabar com o pão e circo”. Precisamos rechaçar fortemente esse discurso, pois o que eles chamam de “política do pão e circo” são os avanços que tivemos nos últimos anos. Eles querem acabar com as políticas sociais de distribuição de renda, com as cotas sociais e raciais, com a política de valorização do salário mínimo e da massa salarial da classe trabalhadora em geral, com os direitos trabalhistas que as empregadas domésticas ganharam recentemente. Dentro dos palácios temos os governantes, que não souberam negociar e até o momento ainda se mostram atônitos. Utilizam argumentos técnicos, quando o seu papel é fazer política, em outras palavras, procurar meios para atender às pautas populares. Não é possível governar apenas com gestão sem discutir os rumos da sociedade. Há também uma demanda reprimida da população por participação. Esse sistema político atual, com financiamento privado, favorece a corrupção, uma vez que os financiadores das campanhas cobram depois o retorno dos seus “investimentos”. Também afasta a população das decisões relevantes das cidades, dos estados e do país. É preciso então discutir uma profunda reforma política, que dê voz e espaço aos setores excluídos da política institucional. Como resistir à tentativa de sequestro dos atos? Precisamos primeiramente compreender que a gênese desses movimentos é progressista e tem como pautas problemas concretos da vida das pessoas. No entanto há uma operação da mídia e da direita de desvirtuá-los e transformar os manifestantes em massa de manobra para setores da elite que não pretendem avançar, mas sim retroceder nos direitos da maioria da população. É preciso que os manifestantes “antigos”, que já estão nas lutas e nas ruas há muito tempo em defesa das pautas progressistas, se somem aos atos e disputem sua linha, para que o tom seja pela conquista de novos direitos, sem abrir mão do que já foi conquistado. Para os manifestantes novos: sejam bem-vindos à luta! A única compreensão que eu lhes peço é que entendam o motivo que torna impossível “todos darmos as mãos por uma causa só, independente das diferenças”. Há, como sempre houve, a necessidade que alguém perca para que alguém possa ganhar. Para termos passagens mais baratas e transporte de qualidade é preciso que o dinheiro saia de algum lugar: ou dos governos (o que seria trocar seis por meia dúzia), ou diminuir os lucros dos empresários do setor e aumentar impostos dos usuários de transporte individual (carros). Para conquistarmos direitos para a população LGBT precisaremos derrotar os fundamentalistas. Para democratizarmos as comunicações precisaremos derrotar a grande mídia, para termos melhores salários e condições de trabalho precisaremos derrotar os empresários, para termos mais dinheiro precisaremos derrotar os banqueiros que lucram em cima de nós com seus juros, e por aí segue… Creio que o meio para defender os atos e os movimentos da intromissão de pautas reacionárias nesse momento é a restrição das nossas pautas nos atos. Precisamos realizar atos como sendo claramente contra os aumentos e em defesa de um novo modelo de transporte público e de qualidade. Há diversas pautas progressistas igualmente importantes, como o combate ao projeto de lei da “cura gay” aprovado nesta terça-feira (18/06) pelo Feliciano na CDHM da Câmara dos Deputados, a Reforma Política, a democratização dos meios de comunicação, o combate à PEC37 (que restringe os poderes de investigação do Ministério Público), dentre tantas outras. Se pulverizarmos as pautas em poucas manifestações “genéricas”, estaremos ajudando a fazer o que a mídia e a direita tanto querem: caracterizar o movimento como difuso e aberto à qualquer pauta, e já percebemos que onde cabe qualquer pauta, cabem também as pautas dos nossos adversários. É necessário organizarmos atos para cada uma dessas pautas, aproveitando o momento político para acumular força, organicidade e visibilidade para as nossas lutas, que certamente não terminarão em uma ou duas semanas. Que as manifestações não sejam passageiras!" 

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* YURI SOARES FRANCO é Historiador pela Universidade de Brasília.

Nosso céu tem mais estrelas...


Diante das mobilizações espontâneas e de caráter popular que aconteceram durante quase uma semana inteira (eu acho), de forma praticamente simultânea em várias cidades do Brasil, é impossível permanecer indiferente. Confesso que não sigo com tanta frequência as redes sociais e quando as manifestações continuavam após o estopim do aumento das passagens de ônibus em SP e RJ, eu não sabia o porquê exatamente das manifestações continuarem e se alastrarem Brasil a fora. À medida que fui compreendendo, também fui contagiada com essa onda de manifestação em beneficio da Nação. Esse civismo moderno. Sinto alegria de ver a população jovem puxando os mais velhos também para às ruas, a fim de fazer valer a voz da indignação mediante tantos descasos por parte do governo em relação à corrupção, à falta de investimento na área da Saúde, Educação, Transporte Coletivo, Moradia, medidas de combate à Violência, etc... é um belo exercício de democracia por parte dessa população jovem e da população brasileira em geral. Entretanto, é preciso também exercitar a mente. Perguntas vêm à tona: por exemplo, agora que notoriamente os governos percebem a indignação e repudio popular pela corrupção e uso indevido do dinheiro publico, o quê fazer? Como fazer, e quem vai fazer? (se vão fazer...). É preciso agir com a cabeça. O quê a população organizada [e politizada] deve apresentar como medidas reais para que os governantes (parlamentares, deputados, legisladores e governadores) deverão executar? Quais são as prioridades? Quem trabalha pra quem nessa história? Os governantes devem reger a Nação em beneficio de sua população, e esta deve SEMPRE acompanhar de perto, fiscalizar, cobrar, reivindicar o que foi apresentado como proposta politica dos partidários que se encontram atualmente como os representantes do povo. Este mesmo povo que, através de seu voto, pôs aquele ou esse politico no lugar onde ele está agora para gerenciar a Nação. De quê maneira a população vai fazer a engrenagem funcionar? Pois sair às ruas para protestar é um passo, o passo seguinte é ser prático e buscar na Constituição, e na Lei dos Estados e Municípios, clausulas que apoiem às reivindicações da população que foi às ruas nesses últimos dias em todo Brasil. Ser organizado na apresentação das pautas já anexando o peso da Lei nessas reivindicações. Ser esperto, ser conhecedor das Leis e da Constituição para saber dialogar, reivindicar e negociar medidas e AÇÕES reais para beneficio da população. Fico pensando: após a Copa das Confederações, se o Brasil não cairá num caos econômico... porque, se houve investimento do dinheiro publico para a construção de estádios, reformas de avenidas, abertura de estradas, etc... por um lado ajudou na modernização do País em uma pequena escala, porem qual foi  (qual será) o impacto disso na Economia, na Educação, na Saúde, no Transporte no futuro mais próximo? Será que nos anos seguintes o Brasil não sofrerá com reajustes em impostos na Luz, na Água, no preço de serviços públicos, etc, para cobrir esses gastos atuais? Quem garante que não? É preciso que o governo seja claro, transparente neste sentido. O evento da Copa em si não é o culpado, e sim a maneira como foi (e está sendo) gerenciado o dinheiro que possibilitará com que o evento aconteça no País. Porque os parlamentares ganham tanto assim, e ainda são agraciados com gordas comissões para isso e aquilo outro? Será que é preciso esse luxo todo para eles exercerem seu trabalho: que é fazer com que a população em geral tenha boas condições de vida e para que a Nação evolua? Acho que é necessário uma comissão de cunho popular (sem partido) para ficar fiscalizando o que acontece no Senado, nas Câmaras dos Deputados, nas Assembleias Legislativas para saber de fato, se os governantes não estão enrolando... perceber se os que estão lá não são doentes... sim, porque corrupção é doença, é um transtorno, um desvio de caráter tão sério que é visto em pequena escala comparada a uma leve ocorrência de disfunção mental perversa; gente que desvia dinheiro publico para se dar bem não se importando se crianças morrem de fome, ou se pessoas morrem à porta dos hospitais públicos por falta de atendimento, é no mínimo doente. E já é comprovado e estudado pela Psicologia que corrupção é sim doença catalogada na escala de transtornos mentais leves, porém graves, pois as ações dos corruptos prejudicam outras pessoas, a tal ponto, deles nem sentirem remorsos pelos atos praticados em beneficio próprio.
É inegável que o acesso à Internet, com as Redes Sociais sendo utilizadas para formatar passeatas de maneira mais organizada e também a dissipação da sombra do medo, trauma e repressão que ficou encrustado em pelo menos três gerações após a Ditadura Militar, passou; e  por isso mesmo que as pessoas que vão às ruas hoje têm outra visão e maneira de se manifestar resgatando seus direitos enquanto cidadãos. A grande maioria quer PAZ, quer que as coisas aconteçam de maneira pacifica, honesta, organizada. E isso só será possível mesmo, se as passeatas acompanharem o raciocínio de seus manifestantes em saber seus direitos, por quem lutam, para quê lutam, como lutam, e se apoiem na Constituição Federal e nas Leis Estaduais e Municipais para validarem sua voz, percorrendo os tramites legais na hora do cara-a-cara com os governantes. Afinal, não fomos nós que os colocamos lá para nos representar? Então é hora dessa máxima acontecer. Essas manifestações de vândalos só me faz crer, cada vez mais, que se trata de gente contratada pelo governo para sabotar a manifestação popular... só que não estamos mais na época da Ditadura onde quem saí às ruas já saí com o terror no coração. São novos tempos, são novas cabeças, novos espaços na sociedade para se gritar um basta na corrupção e abandono do País! São novas formas de diálogos.

“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores”

[Canção do Exílio – trecho; dos PRIMEIROS CANTOS (1847); Gonçalves Dias]


Katiuscia de Sá
21 de junho de 2013
02:12h
*ouvindo "Another Brick In The Wall" (LIVE), de Pink Floyd

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Um Encontro Verdadeiro


“(...) a operação ativa de significação, que definiria a consciência, e o mundo não seria de significação, que definiria a consciência, e o mundo não seria nada de distinto da “significação mundo”, e redução fenomenológica seria idealista, no sentido de um idealismo transcendental que trata o mundo como uma unidade de valor indiviso entre Paulo e Pedro, na qual suas perspectivas se recobrem, e que faz a “consciência de Pedro” e a “consciência de Paulo” se comunicarem porque a percepção do mundo “por Pedro” não é um feito de Pedro, nem a percepção de mundo “por Paulo” um feito de Paulo, mas em cada um deles um feito de consciências pré-pessoais cuja comunicação não representa problema, sendo exigida pela própria definição de consciência, no sentido ou na verdade. Enquanto sou consciência, quer dizer, enquanto algo tem sentido para mim, não estou nem aqui nem ali, não sou nem Pedro nem Paulo, não me distingo em nada de uma “outra” consciência, já que nós somos todos presenças imediatas no mundo e já que este mundo é por definição único, sendo o sistema das verdades. Um idealismo transcendental consequente despoja o mundo de sua opacidade e de sua transcendência. O mundo é aquilo mesmo que nós nos representamos, não como homens ou como sujeitos empíricos, mas enquanto somos todos uma única luz e enquanto participamos do Uno sem dividi-lo. A analise reflexiva ignora o problema do outro assim como o problema do mundo, porque ela faz surgir em mim, com o primeiro lampejo de consciência, o poder de dirigir-me a uma verdade de direito universal, e porque sendo o outro também sem lugar e sem corpo, o Alter e o Ego são um só no mundo verdadeiro, elo dos espíritos. Não existe dificuldade para se compreender como Eu posso pensar o Outro porque o Eu e, por conseguinte o Outro não estão presos no tecido dos fenômenos e mais valem do que existem. Não há nada de escondido atrás destes rostos ou destes gestos, nenhuma paisagem para  mim inacessível, apenas um pouco de sombra  que só existe pela luz”.  (MERLEAU-PONTY. 1999, p: 7-8)

Às vezes as pessoas se aproximam de mim e querem tecer conversações densas, acerca de politica, religião, assuntos polêmicos da atualidade ou outras conversações de alto aprofundamento teórico ou fundamentalista sobre alguma coisa... eu até poderia conversar, (e por vezes converso meio sem vontade) mas o essencial todas elas não alcançam... elas, em nenhum momento, me ‘ouvem’. E não me refiro aos sons articulados que saem da minha boca – os fonemas que representam os pensamentos que desejo externar  enquanto comunicação verbal. Refiro-me a ‘ouvirem’ meu Ser Total, para perceberem se naquele momento eu estou aberta, disponível (ou não) para conversar. E existem ainda aquelas pessoas que classifico como ‘intrusivas’, que forçam a barra para que você entre nas suas conversas a todo custo... A maioria das vezes quando eu chego num local eu estou num estado de consciência bem interiorizado (em bom português – estou na minha), e fazendo analogia com as cobras que colocam pra fora suas línguas pra sentirem a temperatura ambiente para se adequarem a ele, assim também faço (não arregaçando minha língua para fora, é claro..., seria no mínimo uma cena insólita); faço isso com meus sentidos mais refinados e procuro entrar em sintonia com o ambiente onde chego, e gosto de fazê-lo a meu tempo e disposição. Às vezes eu não estou disponível para o exterior: estou no exterior, mas apenas de corpo presente (digamos assim), e meu estado mental/espiritual vagueia em outros lugares (dimensões ou estados de consciência); esse é um pequeno problema de programação de mentes muito criativas: elas não páram e normalmente flutuam livres por aí. Eu preciso de estimulo tátil pra minha atenção voltar, tipo: um toque no braço, um carinho na pele juntamente com a frase proferida de forma amorosa... e utilizando esse simples principio sinestésico, minha atenção vem para aquele momento (entretanto, dependerá de eu querer ou não... normalmente sou educada com as pessoas, e converso e depois me fecho quando assim desejo permanecer); as pessoas são bem-vindas, mas se eu percebo que estão com má intenção: corto o mal pela raiz na hora... Ademais, realmente sinto falta de pessoas ao meu redor que conseguem ‘escutar’ umas às outras, e que respeitam o tempo de conexão individual, ou sua vontade de querer se conectar e estabelecer contato e interagir de forma mais atuante. No geral os artistas (em especial gente de Artes Cênicas) possuem esse canal sensível mais desenvolvido da 'escuta pessoal', pois são indivíduos mais trabalhados em sua corporeidade (corpo/mente/espírito) e por tanto com esses canais mais desenvolvidos para tal. Não gosto mesmo de gente intrusiva, que induz o pensamento e ações dos outros. Desse tipo de gente eu me afasto e geralmente desconfio de suas intenções e índole. Tudo na minha vida (enfatizando os relacionamentos interpessoais) acontece de forma NATURAL, ESPONTÂNEA, e sempre conduzo minha vida e relacionamentos através desse principio. Posso até achar alguém interessante à primeira vista, porém, realmente respeito meu estado comportamental interior. Já descartei alguns relacionamentos (sem o menor remorso) devido a essa falta de sensibilidade e, sobretudo, falta de respeito com o outro (no caso eu). Na minha mente ninguém manda. Sou um ser que pensa, que age e que tem suas próprias opiniões – sou um Ser no mundo. Hoje conto nos dedos as pessoas que conseguem (em sua simplicidade e mesmo sem perceber) me ‘escutar’. Esses são os reais relacionamentos, alicerçados na liberdade e respeito do individuo, isso gera CONFIANÇA. Há de chegar uma época em que todo mundo saberá ‘ouvir’ o seu próximo e saberá (e respeitará) seu tempo interior e disponibilidade de conexão. Haverá um período em que o homem retornará ao seu estado de consciência cósmica e plena, saberá ‘ouvir’ a Natureza, o outro e a si mesmo. Acho tão triste e lamentável essa sociedade massificada e homogênea, tão veloz e amorfa, que não escuta nada, apenas despeja, despeja e despeja suas vontades mais imediatas e egoístas em cima dos outros, como se os outros (e não elas próprias) fossem os responsáveis para sanar suas angustias, frustrações e ansiedades. Conseguir permanecer no Caminho do Meio é tarefa árdua, mas pode ser possível na maioria das vezes. E é o que quero na minha vida. Sou bastante (e põe bastante nisso) etérea, lúdica, quase uma neblina, um ar... um som, mesmo habitando um corpo constituído de matéria densa. Um dia quem sabe, encontro alguém que me compreenda pelo menos uns 80%, que me possa ‘ouvir’ e me respeitar igualmente. Enquanto isso, o dia-a-dia é uma construção alucinante e extremamente dinâmica, repleta de nuances que poucos conseguem observar e reconstitui-la de acordo com sua verdadeira essência. E tem aquela frase que diz que “à quem muito foi dado, muito lhe será cobrado”, e por isso mesmo comporto-me de forma condescendente inúmeras vezes... mas as pistas e ferramentas estão aí em todos os cantos para todos se desenvolverem também. Um dia as pessoas acordarão e saberão do que falo aqui. Seria um mundo mais feliz e integral, com indivíduos mais sensíveis e por isso mesmo, mais responsáveis em seus atos e falas; menos mesquinhas, egoístas e imediatistas. Às vezes me deprimo, parece que estou só... entretanto, sei que já há muitos com essa consciência mais desperta e atuante. Mas a maioria ainda precisa acordar. É um passo-a-passo; e paciência é algo também que precisa ser trabalhado e assimilado com uma ferramenta de evolução individual e coletiva.


Katiuscia de Sá
20 de junho de 2013
10:27h
*ouvindo como mantra a belíssima e emocionante musica “Wish You Were Here”, de Pink Floyd

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Estados de Consciência


Uma vez, aos 26 anos de idade, eu alcancei um Samadhi. Confesso que foi a maior experiência em toda minha vida (até agora). Aconteceu de maneira totalmente espontânea. Foi uma sensação de clareza total e maravilhosa de consciência pura e plena. Uma sensação de liberdade eterna e absoluta. Anos antes eu havia experimentado algo semelhante, porém em menor proporção, através de duas sessões de hipnose. E há muitos anos, também já havia sofrido inúmeras vezes (na infância e juventude) estados avançados de experiência fora do corpo físico, (à época, isso me assustava um pouco, mas com o tempo acabei acostumando e até mesmo domesticando o espirito para esses 'passeios' involuntários). Todas essas experiências também me foram, de certa forma, agradável sentir, mas o Samadhi é de natureza puramente espiritual e de caráter de evolução individual, e por isso mesmo a sensação e experiência são mais profundas e absolutas, revelando ao individuo varias camadas de percepção da realidade, e todas interligadas de uma forma mágica, repleta de uma coerência nunca antes imaginada. E por isso mesmo, espantoso. É como abrir uma caixinha cheia de combinações infinitas de dobraduras. Quanto mais você descobre combinações, mais possibilidades se descortinam diante de você. Impressionante!

Acredito que essa trajetória me foi permitida ‘despertar’, devido a leituras de uns livros que meu avô mantinha secretamente em seu quarto. A uma altura da vida dele, vôzinho se tornou maçon. E recebia seus estudos pelos correios, com pacotes de livros e algumas idas à sede da maçonaria que ele frequentava. E nos altos de meus dez e onze anos eu tinha uma baita curiosidade de saber o que aqueles livros de capas com desenhos estranhos continham em seu interior. Mas meu avô sempre dizia que não eram leituras para mim; ele me explicava que eram proibidos devido minha idade e porque também às mulheres não era permitido saber (eram as regras da maçonaria). Algumas leituras introdutórias ele disponibilizava ao meu irmão, mas a mim não. Então eu pensava: "proibido, uma ova!!!!" Eu realmente ficava indignada! E como curiosidade de criança não se contraria com um simples não... lembro-me que comecei um esquema minucioso de observação e investigação para descobrir onde meu avô guardava esses livros que ele lia sempre à mesma hora pelas manhãs. Acho que minhas acareações duraram uma semana... e após encontrar o esconderijo do tesouro, o esquema agora seria como contrabandear os livros para poder lê-los, sem que vôzinho desse por falta deles.

A aventura da descoberta do esconderijo não era maior do que a adrenalina de ler escondido os livros ‘proibidos’ de meu avô. A partir daquele momento eu percebi que conhecimento (seja de qualquer espécie) é o maior dos tesouros. Acho que cheguei a ler uns 20% do acervo que meu avô mantinha, até ele mudar de lugar o paradeiro dos livros; mas daí eu já estava satisfeita em burlar as regras; pois na minha cabeça de criança àquela época, eu já acreditava que conhecimento não é uma coisa que se deva excluir das pessoas. Eu já achava que conhecimento deve ser ofertado de igual maneira a todos, e que cabe a cada um escolher ou não se deseja saber e progredir; é uma transição individual sem dúvida.

Algumas vezes lembro-me desses momentos de minha infância. Sendo a maioria relacionada ao meu avô, e outras peripécias à minha avó. Fui muito feliz em alguns momentos de minha infância problemática, as alegrias por eu poder dar vasão aos impulsos sadios de curiosidade e desenvolvimento cognitivo – próprios desse período de infância, foram todos meio que proporcionados de forma direta e indireta pelos meus queridos avós. Sinto felicidade que eles costuraram essas histórias que hoje iluminam meu interior. De todas as saudades que carrego, a que sinto deles dois, é algo incomensurável!

Katiuscia de Sá
19 de junho de 2013
14:19h

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Para Edgar Allan Poe - V (conto)


Os lençóis cheirando a mofo agonizavam um colchão cujas espumas abrigavam toda espécie de ácaro e percevejos, e estes às vezes abrigavam-se na pele de Fialho deitado sobre um universo de microrganismo indiferente à sua pessoa. Como o homem, estes pequenos invisíveis apenas sobreviviam...

Todas as manhãs a rotina dos enfermeiros era despejar no pobre sujeito, pelo menos cinco coquetéis de remédios tarjas-preta.  Às vezes os comprimidos pareciam mexer-se dentro dos copinhos de vidro, ou eram apenas os olhos do enfermo dançando nas órbitas, desfigurando ainda mais o rosto do homem.

Já ninguém lembrava porque Fialho fora internado naquele sanatório. Sabiam apenas, que foi antes de 1813, devido à entrega de leitos novos na sessão de pacientes perigosos, pois Fialho fora imediatamente transferido para esta ala do hospital.

Passados mais de quarenta anos, quem poderia imaginar que sua internação se deu por conta de uma decepção! Sua finada esposa havia se deitado com um dos jardineiros da propriedade, onde ambos costumavam passar os verões longe da cidade.

Já era rotina a mulher arranjar-se com o jardineiro   um homem rustico que só sabia mesmo trabalhar com as mãos na terra, nem sequer escrevia o próprio nome. Com seu corpo robusto e bem talhado, fazia dona Patrícia pensar ser também ela, uma mulher do povo, sem berço e letras, já que sua real vocação era sucumbir horizontalmente à vida.

Sempre se ressentia por ter casado com o homem errado – um diplomata, filosofo e amante das Artes... Pobre Fialho. Seu defeito maior era sua sensibilidade e delicadeza para com dona Patrícia. Amava-a do jeito como um deus Apolo ama tudo que era belo: tão à distancia. Mas a mulher queria mesmo era o exercício grosseiro, tal como os pães sofrem nas mãos dos confeiteiros antes de assados e servidos à mesa. Dona Patrícia gostava de ser bem servida. Seu espirito indócil arruinou a personalidade sensível do marido, escandalizando os moradores das redondezas.

Foi numa noite sem lua e frienta que Fialho atravessara o jardim para tomar ar, quando pegou em flagrante os desatinos da esposa com o jardineiro num canto defronte da casa, ambos deitados na terra disputando espaço com os cravos e papoulas. O esposo traído ficou parado sem nada fazer na hora... dizem que não se deve brincar com gente de temperamento intelectual, pois ao se mostrarem frustrados, são pessoas de real desatino calculado.

Depois dessa noite, Fialho em nada mudara com a esposa. Contudo, arrumou um mimo inesquecível para dona Patrícia em comemoração aos dez anos de casados. Numa bela caixa cheia de laços de fita, cuidadosamente ornamentada, entregara seu presente à esposa.

Ao abri-la, a mulher revirou os olhos tão assustada que nem um grito de horror pôde ser escutado, não deu tempo da voz passar pela garganta; seu marido imediatamente a cortara com a foice de podar as plantas.

Na manhã seguinte o pavoroso escândalo, que surpreendera os vizinhos e até mesmo os policiais. Ninguém conseguia ver o jardim da casa sem embrulhar o estomago: separados em cada canto junto às papoulas e os cravos: as cabeças, as mãos e os braços dos amantes, como se enfeitando o leito onde estiveram noite passada jogando-se um para o outro.

Depois disso, Fialho sem o brilho nos olhos, deixou-se levar para o sanatório. Desde então nunca mais pronunciou nenhuma palavra...



Katiuscia de Sá
17 de junho de 2013
13:37h
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*Leia também:



sexta-feira, 14 de junho de 2013

Aurora de Junho


... então Ave Que Não Se Sabe o Nome desenrolou com seu bico os papeizinhos encontrados no chão. Alguns, ainda enterrados. Outros meio rasgados; uns ainda inteiros, porem sem palavras por escrito. Estes em branco – àqueles sem qualquer indicio de tinta – lamentavam não terem sido preenchidos por alguma emoção. Sua brancura refletia o som e luzes das estrelas. Era uma beleza singular e angelical, sem ninguém para ver ou ouvir tão maravilhosa manifestação de fantasia. Perdia-se tudo na vastidão do Espaço.

Lentamente Ave Que Não Se Sabe o Nome separava a história destes pedaços em branco, deixando-os todos muito bem pertinho de si. Pudesse talvez arrumar um ninho... ainda assim, com as eternas noites pela frente, qualquer ninho seria desperdiçado.

E cada pedacinho de papel cândido, Ave Que Não Se Sabe o Nome os colocava cuidadosamente sobre suas penas. Então suas asas ficavam mais fortalecidas. E no terror das noites, poderia voar bem alto e não absorver  a violência dos relâmpagos.

Muitos olhares sobre tudo... tanta vida vivida... tudo tão abundante e farto... entretanto, nenhuma outra ave à vista...

O voo seguia.

Havia toda liberdade; nenhuma certeza com o que fazer disso.

Vez por outra Ave Que Não Se Sabe o Nome retornava ao chão – como já fez uma vez mais... – seus pés no solo a transformavam mulher. Mulher muito linda... tão linda Luz que cegava os olhos – ninguém jamais a viu. Nenhum homem conseguiu nota-la caminhando nua por entre a multidão. Caminhava de pés descalços Ave Que Não Se Sabe o Nome... também num silencio profundo, deixando ouvir o choro e lamentações de todas as pessoas. Uma cantiga que se escutava dos céus também, mas as estrelas dependuradas no firmamento não podiam acudi-los... pobres pessoas, tão emaranhadas como cipós.

E o chão amanhecia num Soluço infinito,  um quebra-cabeça incolor. Vazio insondável... – a canção do silencio. Uma consolação esperada... parecia que os céus da Noite eram mais negros àqueles anjos que se perderam na vastidão, cujos olhos nublaram... passavam uns pelos outros e nem sabiam disso. Um trafego intenso de negras aves sobrevoando a terra. Uma terra-alada flutuando pelo Espaço. E por isso mesmo, quem voava, voava sozinho. Não tinham nem lembranças, estavam escritas sob os pés de Ave Que Não Se Sabe o Nome, naqueles papeizinhos.

Outra vez, Ave-mulher caminhava nua pela multidão quando foi vista por uma criança de colo. Esta lhe sorria tão inocentemente querendo abraça-la, que Ave sentiu até esperanças no coração novamente. Pôde esquecer-se d’algumas mentiras... outras solidões; desesperos  e algo mais... aqueceu seu peito outra vez.

E quando sua imensidão já ultrapassava as carnes... Ave retornava aos céus secando suas lágrimas ao vento do bater das asas. Essas águas de si, faziam nascer forças e esperanças para alcançar mais uma vez quem sabe, o horizonte abrindo-lhe o alvorecer...


Katiuscia de Sá
14 de junho de 2013
13:25h

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Fuga (ficção)


Estávamos muito atentos, com medo e ainda ofegantes. A escuridão e os obstáculos naturais nos deixaram bastante cansados. Não tínhamos ideia de quantos quilômetros já havíamos alcançado. Aquele capim espesso e todo cheio de serrilhas nas bordas nos maltratando a pele; os insetos quase atravessando nossos olhos arregalados lutando com a incapacidade imediata de enxergar algo naquele breu; a mente cheia de pensamentos ainda tendo que dividi-la com a possibilidade de anfíbios atacarem a qualquer momento nossos calcanhares nus ou mesmo nossos pés descalços pisarem naqueles sapos de pele altamente venenosa... tudo era possível àquela altura do campeonato. Mas já estávamos ali, não havia chances de voltarmos atrás com o plano.

Meus quatro colegas e eu conseguimos rastejar pelo mato e lama até uma brigada que ficava ao lado do rio de acesso às cidades. Por enquanto estávamos perdidos naquela zona pantanosa que desconhecíamos totalmente. A qualquer prejuízo nos jogaríamos no rio para fugir de possíveis rajadas de balas. Estacionamos protegidos pelo matagal. Olhávamos desconfiados ao longe. O acesso estava sendo vigiado por um guarda lotado na guarita acima ao canto da cerca.

– Vejam! Não há qualquer portão... podemos dar um jeito de entrar sem sermos percebidos. – incentivei o grupo.

– Mas olha lá dentro, no canto do alojamento há um recruta de plantão..., se formos pegos, não teremos a menor chance. – advertiu-nos Santiago.

– Olhem bem... o guarda da guarita está num sono ferrado. Acho que ele não irá acordar facilmente, a não ser que exploda uma bomba. Acredito que dá sim pra passarmos despercebidos... – concluiu Nóbrega, quase sem força na voz.

Embora estivéssemos com bastante medo e já sobressaltados pela prisão anterior, não podíamos deixar escapar a chance de conseguirmos alimento e quem sabe até roupas secas. Fazia quase uma semana que nos alimentávamos apenas da água da chuva e com alguns escassos  frutinhos mirrados encontrados pelo caminho. E numa guerra, quaisquer que sejam as alternativas de sobrevivência, todas serão sempre muito perigosas, ainda mais quando você integra um grupo de refugiados e se depara com um quartel de militares não sabendo tratar-se de amigos ou inimigos.

Decidimos então atravessar o portão, dando um jeito para não sermos vistos. Como éramos cinco homens, qualquer coisa que acontecesse, algo tínhamos de comum acordo: defenderíamos uns aos outros.

Lentamente, sem que decidíssemos quem e quando agir, Santiago adiantou-se. Foi rastejando no matagal até onde desse. Agachados e camuflados de lama que estávamos, com apenas a iluminação de tochas na cerca do alojamento defronte, se não nos mexêssemos bruscamente, não seriamos notados. Seguimos. Ao final da vegetação confundíamos com o terreno.

Já rente à cerca, avistamos o guarda que estava de prontidão à porta da primeira cabana. Contudo, uma prontidão muito íntima de um sono tão pesado quanto um vagão de trem. A sorte nos sorria. Aproveitamos. E foi certeiro! Havia latas de comida, cobertores e uniformes. Havia também umas caixas contendo armas e munição, e alguns aparelhos eletrônicos que ajudavam na sobrevivência em terrenos inóspitos. Estes Nunes quis saquear... sua ganancia nos atrasou na hora de sairmos de volta ao matagal.

Por ser uma carga mais sensível e pesada, Nunes se atrapalhara um pouco no transporte do aparato, deixando-nos ainda mais tensos e preocupados. Nem as palavras sensatas de nosso companheiro Assis convenceu a desistência de Nunes em carregar aquela tralha toda. Dizia-nos ele, que iria vendê-los se conseguíssemos alcançar a cidade mais próxima. “Vender pra quem?” – argumentava Assis, “Numa guerra ninguém tem dinheiro! Deixa de ser besta, cara! Larga isso aí!” – mas em situações extremas e com forte carga emocional na cabeça, talvez a real índole das pessoas possa vir à tona. A de Nunes era a ganancia pelo dinheiro, sem dúvida...

A cada passo que dávamos, olhávamos ao redor. O ruim era que a caixa que Nunes carregava fazia uns tilintas dos metais se balançando... e esse som era diferente do barulho das arvores e do som habitual da natureza que nos cercava; não dava para disfarçar. E num momento desconsiderado e sem jeito... Nunes tropeçou.

Fomos pegos. Levamos uns bons sopapos e ameaças de morte, porém nosso castigo foi menos cruel e mais providencial que esperávamos. Os recrutas se entusiasmaram com as mirabolantes prisões dos filmes norte-americanos, e resolveram nos amarrar a todos em cima de uma jangada atada ao lago próximo à base deles. Se conseguíssemos nos livrar das cordas e não fritar ao sol escaldante durante os dias; se sobrasse força para escapar e não voássemos todos em direção ao miserável do Nunes... podíamos nadar até a costa próxima e nos embrenhar novamente no matagal para tentarmos sobreviver àquela horrível guerra.


Katiuscia de Sá
12 de junho de 2013
14:27h

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*este foi meu sonho hoje pela manhã. Quis me concentrar nos estudos durante o dia, porém já saí de casa com o sonho e a sensação dele bem fresquinhos na cabeça. Resolvi escrevê-lo (pra me livrar dele e ficar em paz...). Neste sonho eu era "Fontoura", um dos homens que integrava o grupo de fugitivos. Estranho que nem filmes de guerra eu assisto, pois não curto muito. Mas as imagens do sonho, bem como sua trama, estão tão frescos na minha cabeça, que aproveitei para transformá-lo em um pequeno texto de ficção. Lembro-me de meu avô Benício no exercício diário de relatar seus sonhos, ele o fazia com tamanha riqueza de detalhes que também se transformavam em verdadeiros textos orais ricamente descritivo-narrativos: umas histórias que eu adorava ouvir, pois eram cheias de imaginação e de coisas inusitadas. Meu avô relatava seus sonhos com tamanha propriedade e sem pressa. Era-me tão agradável escutá-lo falando. Acho que minha mente imaginativa puxou a de meu avô, ainda mais com o incentivo dele durante meus anos da infância. A maioria das vezes sonho cenas que podem virar filmes ou livros, acho isso muito divertido.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Para Edgar Allan Poe - IV (conto)


Isabelle gostava de caminhar antes do crepúsculo do dia. Saia de casa sempre às cinco da tarde para seu exercício diário e frequente, quando não às cinco da manhã, antes de ir para a faculdade. Adorava respirar o ar puro matutino. As ruas convidativas sem muitos carros e com aquele frio do orvalho coçando o nariz das folhas e galhos das árvores do parque.

Certa tarde, Isabelle distraída como sempre, ao invés de pegar seu fone de ouvido, pegou um barbante preto. Sempre desorganizada..., dessa vez não distinguiu seu material de croché embolado ao seu mp4. Foi caminhar ao som ambiente. Fazia muito tempo que não se exercitava ouvindo a vida real.

Quando a moça estava na altura do pequeno lago que circundava o parque da cidade, foi aturdida por um choramingo de criança. Foi ter... Era uma linda garotinha. Muito ruivinha, com um vestidinho imitando àqueles do final de 1800 e bolinhas. A criança parecia uma boneca de porcelana de tão alva.

Ainda com os olhos vermelhos pelas lágrimas corridas, a menininha ainda soluçava muito quando Isabelle parou defronte dela perguntando onde estavam seus pais, se ela estava perdida, e qual era seu nome. Todavia, a criança não respondia a nenhuma das perguntas, deixando Isabelle mais nervosa. Ela olhava de um lado a outro, à procura de algum guarda municipal; porem nem sinal. E de tão atenta à criança, Isabelle nem percebeu que já não havia mais ninguém por perto e que a noite e a neblina apoderavam-se de tudo.

Agachou-se defronte a garotinha na esperança de acalma-la e conseguir alguma informação. Mas foi em vão. Quando alguns sapos à beira do lago começaram assobiar festejando a noite que se erguia, foi que a menina conseguiu dizer algo: “meu nome é Isabelle...”, soluçou com dificuldade a vozinha infantil.

– Olha só que coincidência, o meu nome também é Isabelle. Mas me diz, onde estão seus pais? Você está perdida?

Então a outra Isabelle parou de chorar e ficou séria olhando fixamente para moça agachada à sua frente. Levantou-se e arrumou seu vestidinho rosa, apontou em direção ao final do lago.

– Ah... seus pais estão para lá? – aturdiu Isabelle sem muito o quê fazer, senão seguir a criança que já corria naquela direção.

Ao final do lago, havia uma cerca de arame farpado que circulava o parque, e nela uma fenda acusando que fora adulterada e esticada, como se alguém do tamanho da menininha pudesse atravessar por lá. E foi o que a criança fez, olhando com um sorriso para o rosto de Isabelle.

– Ei, espere... não entre aí. Pode ser perigoso... – Então Isabelle se aventurou a ir atrás da menina; igualmente atravessou o buraco na cerca de arame. Assim que Isabelle atravessou, a criança voltou da fenda segurando umas roupinhas de bonecas. Também pareciam de 1800 e bolinhas... De repente a neblina no parque ficou mais e mais densa e os sapos à beira do lago pararam de cantar instantaneamente. Desabou no lugar um silencio tão apavorante.

Quando a neblina foi dispersando um pouco mais, a menininha atravessou novamente a cerca e saiu de lá com uma boneca de porcelana vestida com as roupas iguaizinhas da moça Isabelle.

Com um sorriso hipnótico no rosto, a pequena Isabelle trocou as roupas de sua nova boneca e a batizou de “Isabelle II”, sentou-se à beira do lago e começou a cantarolar uma canção de ninar enquanto a neblina espessa apoderava-se do lugar, outra vez instaurando um silencio apavorante.


Katiuscia de Sá
10 de junho de 2013.
16:27H

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*Leia também:



sexta-feira, 7 de junho de 2013

Superando barreiras!

DISLEXIA
DÉFICIT DE ATENÇÃO
HIPERATIVIDADE

Quando criança, eu era um "diabrete". Não parava... tudo eu queria saber; fui uma criança muito viva, e corria, subia, falava, gesticulava, era arteira mesmo! Mas eu tinha muitas dificuldades na escola, no aprendizado sobretudo na leitura. Desenhava alguns números ao contrário, como se estivessem refletidos num espelho. Outras vezes até escrevia frases inteiras indo da esquerda para a direita, igualmente como se fosse um reflexo no espelho. Não compreendia Matemática. Entretanto, sempre conseguia passar de ano, graças a muito esforço... Tirei inúmeros zeros no Ensino Fundamental e Médio... Meu pai sempre bastante severo e autoritário cobrando-me a ser 'a melhor', a estudar como se eu não o quisesse... e com isso me deixando mais triste e deprimida, e o pior: deixando-me com horror de ir para a escola! Na verdade eu até queria, mas não entendia o porquê de nada me interessar na escola, nem as outras crianças me agradavam. Gostava apenas das matérias que envolviam Artes: música (principalmente), Desenho/Pintura, Teatro, a Dança (nem tanto assim); mas eram os recursos lúdicos e didáticos que me ajudavam na assimilação. Interessante que o tempo passou, e só pude descobrir o que acontecia comigo aos 26 anos de idade.

Contudo, quando a vida e minhas próprias necessidades me obrigaram a utilizar recursos que eu percebia que me auxiliavam em minha aprendizagem e desenvolvimento acadêmico, o inusitado aconteceu. A cada novo progresso e descoberta de possibilidades e maneiras outras de se ensinar e aprender, decidi tornar-me Arte Educadora, dentre inúmeras outras possibilidades profissionais que eu pudesse seguir. O porque disso acredito estar na minha vontade de ajudar tantas outras crianças e jovens brilhantes a perceberem que são seres fantásticos, interessantes e inteligentes, e que assim como todo mundo, podem também correr atrás de seus sonhos e realiza-los a seu tempo!

Nunca tive a compreensão de meus pais acerca de minhas dificuldades acadêmicas. Sempre fui trilhando o desconhecido, mais pela força de vontade em querer acertar e aprender o que eu queria aprender; essa era minha motivação: saber as coisas. Endosso também que no meu trajeto existiram pessoas maravilhosas como meus avós que me incentivaram muito, e professoras queridas como 'tia' Graça Barroso (minha primeira professora, ainda no pré-escolar) que me ajudou muito. Até hoje lembro-me dela, tão meiga e paciente, linda como um anjo; parecia uma princesa de contos de fadas com seus cabelos enormes e lisos, e seu sorriso sempre para mim acolhendo-me sem nenhuma restrição. Tia Graça era como o sol banhando de luz meus dias sombrios na escola onde eu cursei meus primeiros anos. Outra professora que me entregou o ouro para compreender a absurda Língua Portuguesa foi professora Oscarina Prado (que a essa altura, certamente leciona no outro lado da vida...), criatura sensacional! Uma vez, em sala de aula, ela me disse que eu daria uma excelente escritora, uma romancista. Entretanto eu pensava como isso poderia ser, pois a Língua Portuguesa era para mim um enorme enigma sem solução.

Profª Oscarina teve a delicadeza de me indicar uma Gramática que me abriu os horizontes, pois esta não vomitava nos alunos somente as regras gramaticais como se fosse uma maquinaria de peças auto-motivas..., era diferente: a Gramática também explicava o porquê das regras serem assim ou assado fazendo com que o aluno compreendesse de fato porque regras aparentemente sem noção existem nesta nossa Língua Portuguesa. Só compreendi de fato o idioma que eu falava aos 18 anos de idade. Guardo comigo até hoje essa Gramática, toda desenhada e rabiscada, mas a tenho como um troféu.

Na faculdade e principalmente nos meus estudos no campo artístico, outros (outras) professores(as) também tiveram uma sensibilidade extremamente refinada em me ajudar, como os queridos: Edson Fernando, Bene Martins, Saulo Silveira, Walter Bandeira, Wlad Lima, Ana Flávia Mendes e Janko Navarro, principalmente,  (as dicas e conselhos de profª Eleonora Leal). Mas TODOS meus professores de Artes contribuíram com igual valor para o que me tornei. Agradeço-lhes imensamente.

Mesmo dispensando um esforço mental e de atenção bem maior que a grande maioria, hoje em dia, e ao meu tempo de assimilação, consigo acompanhar leituras, explicações, escrever longos textos sem perder o raciocínio, ler em voz alta, não escrevo mais espelhado; mas desenho ao mesmo tempo com as duas mãos e sou ambidestra. Entretanto a Matemática, acho que já um problema endêmico... dou-me bem com a Matemática o suficiente para ter concluído minha graduação em Jornalismo. Acho que já está de bom tamanho. Meus desafios atualmente são outros.

Eu gostaria de contribuir a disseminar a compreensão dessas disfunções neurológicas que são observadas em cerca de 14% da população mundial; trazer à tona que existem alternativas para que o sujeito leve uma vida normal, tanto nos estudos quanto na sua vida profissional. Durante um período da minha vida lutei contra uma sombra que não conhecia o rosto, agora que a conheço, acho que o mínimo que posso fazer àqueles que ainda caminham no escuro é trazer um pouquinho de luz e incentivá-las de alguma forma, a acreditarem em si mesmas e realizarem seus sonhos; pois problemas todo mundo tem, agora ter gana e coragem para enfrentá-los, isso é de iniciativa de cada um.

DISLEXIA:


*Uma excelente abordagem didática que educadores e pais de alunos(as) podem ver para compreenderem melhor esse transtorno na aprendizagem, é o filme indiano ESTRELAS NA TERRA -TODA CRIANÇA É ESPECIAL.
Aqui é o trecho do filme onde o protagonista descobre que sua "diferença" não é ruim, é apenas uma questão de ter o estimulo certo para seu desenvolvimento intelectual, pois é provado cientificamente que indivíduos disléxicos (como também autistas) não são burros ou idiotas como são taxadas pela maioria das pessoas que desconhecem esses transtornos; pelo contrário, são sujeitos que possuem inteligencia acima da média. É uma questão apenas de modos de se ensinar e acionar o interesse do individuo, assim como acontece com DDA e Hiperatividade.



*abaixo o filme "Estrelas na Terra - Toda Criança é Especial" na íntegra. O filme é um pouco longo, porém muito lúdico e sensível. Vale à pena conferir. Muito emocionante mesmo!




DÉFICIT DE ATENÇÃO






HIPERATIVIDADE





sábado, 1 de junho de 2013

Contos do Reduto Três (conto)


Frederico havia-se mudado há poucos meses. Ainda não conhecia bem a vizinhança. Esta, à primeira vista, mostrava-se ainda em sua crisálida, tão sonsa e despercebida quanto um detetive particular aconchegadinho em seu escritório absorvido pela leitura do jornal matutino; era uma vizinhança profissional como um velho açougueiro que tem um olho cirúrgico na carne e outro na nota...

Frederico dispunha-se a sair todos os dias na mesma hora pela manhã, ia caminhando para o seu trabalho; seu escritório ficava bem no coração do Comércio. Foi um achado este emprego de contabilista em pleno dinamismo econômico da década de 1950. Onde a carestia fustigava quem ainda não estivesse bem colocado em um decente posto de trabalho.

Embora, morando na Quintino Bocaiúva – no afamado Reduto, Frederico desconhecia a reputação do bairro: sempre discreto, sempre comercial, sempre muito elegante, sempre bem localizado... com poucas casas residenciais, posto tratar-se quase exclusivamente de um bairro industrial, cujas construções eram relegadas ao comercio, estivas e pequenas fábricas sendo modernizadas por capricho daquela década bem sucedida, onde o País experimentava o slogan “50 anos em 5”. Ainda assim, havia muitos casarões remanescentes do ciclo da borracha, em estilo colonial. Frederico morava num deles. Passava a maior parte fora, devido seu trabalho.

No seu primeiro final de semana em casa, o rapaz foi tomado por um agradável cheiro de comida. Vinha provavelmente da casa vizinha. Mas era um cheiro tão saboroso, que Frederico lambia os beiços, imaginando o gosto daquele vapor delicioso que enchia de fome sua sala de estar. Foi encostar-se à janela para decifrar exatamente de onde vinha aquele tão saboroso odor. Nenhuma pista, porém! E no dia seguinte, à mesma hora o cheiro de cozimento invadia-lhe as narinas.

Era de enlouquecer de vontades para saborear aquele alimento de cheiro tão delicioso. Dessa vez Frederico arriscou-se a dar uns passinhos fora ao átrio da casa. Foi perdigando até seus olhos deduzirem que o cozimento estava sendo feito há duas casas depois da sua. Desde então, todas as vezes que se dirigia ao seu trabalho, passava em frente a tal residência para descobrir quem era a cozinheira.

Após um mês nessa discreta investigação, Frederico não evolui em nada. Nenhuma conclusão de quem fosse a moça de mãos de fada e colher de pau. E sempre aos finais de semana o rapaz ficava em reboliços, querendo experimentar o delicioso alimento que lhe atrapalhava os pensamentos através do nariz. Estava ficando sério o negocio. Frederico já nem dormia, e o pior, nem comia mais... queria apenas aquele alimento etéreo.

Até que numa tardinha de domingo ele aventurou-se a bater na casa da suposta cozinheira. Apresentou-se e disse à moça que muito lhe agradara o cheiro da comida que fazia. O melhor foi descobrir que a jovem que cozinhava era igualmente apetitosa, embora muito recatada. Esta lhe dissera que morava só, que os pais haviam falecido num terrível incêndio, e que apenas ela sobrevivera. “Era uma historia triste”, comentou o rapaz.

Conversaram tanto, que nem viram o tempo passar. Já era alta noite quando Frederico se dispôs a retornar à sua casa. Porém, desde aquele domingo ninguém mais havia visto o jovem contabilista. Alguns diziam que ele fora pego pelo fantasma de Celestina, a jovem que morrera com os pais num terrível incêndio em 1943, naquela mesma rua; os escombros do casarão ainda podiam ser vistos a duas casas de onde Frederico marava.

Katiuscia de Sá
Em: 01 de junho de 2013
Às 17:42h
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*Leia também Contos do Reduto Um