“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

CARTA UM - OS VERDES


De onde eles vêm?
São tantos para tão pouco espaço.
Dos secos a cada instante de festa organizam-se em pares,
em trios,
em grupos,
em gritos velozes pelo tronco,
feio facas afiadas ao alvo giratório.
Não paravam enquanto todos não estivessem sobre-cabeças.
Desviavam-se...
E eu ali,

permanentemente impermanentemente
Cada vôo, imperceptível
À boca do abismo celeste
ao som de uma gritaria de felicidade.
Várias medalhinhas verde-escuro
verde-claro saltitavam sobre mim
e ao redor de mim numa fúria de vida.
Não resistia à música-celebração.
O rei não estava mais e ninguém percebeu.
Seu castelo havia despedaçado.
Cada parte tinha seu herdeiro no mundo.
Passávamos à Rua das Cobras
onde as luzes levantavam-se vagarosamente,
perturbando o bradoemudecido.
E o rei cortejava a felicidade imanente,
“a vitória hoje de ambos, animou-me.
Orgulhei-me de minha ausência...
Mas, ninguém anotou o acontecido
– vida constante pulsando,
inspecionada a cada monumento adormecido”.
Cheirava sabonete doce-de-rosas,
o doce que nos acompanhava...
a música para fora do ouvido
enchia tudo de flores rotativas ao longo da espinha,
estavam em ti,
estavam em mim...
A escuridão avançava no escrevedor-do-campo,
enobrecia as horas curvadas ao linho do papel amarrotado,
deixava passar-se e ficar,
permanecer,
eternizar-se fugazmente.
O capim esculpido devorava o resto do dia,
num assombro de fome de viver.
O mármore sobreveio,
olhou-me,
sorriu,
virou pó...
poeira em narinas alheias.
Continuavam chegando,
em pares,
em trios,
em grupos,
em bandos.
Ao barulho da festa
Ele se punha em movimento regressivo-progressivo.
Voltara o Verbo,
feliz no perfume do sabonete doce-de-rosas.
O anjo da Anunciação pôs o rosto fora do esgoto,
escorreu céu acima com tamanha facilidade,
não sobrou nem o bagaço da laranja!
Grafia imutavelmente colorida e absoluta!
Passados vinte e quatro daquele momento,
o Tempo perdido da esfera-irmã quis aguardar,
mas todo mundo já havia empuleirado-se,

Foram embora
Foram embora...
Foram embora...
Menos tu,
Menos eu...
Outro dia,
Outro dia.

Katiuscia de Sá
Belém, 04 de maio de 2009.

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