“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

domingo, 7 de setembro de 2014

O ABAJUR E A ROSA MENINA (conto)



Era uma vez um vaso que foi colocado à soleira de uma janela. Era de uma casinha bem bonitinha. A dona da residência sentia falta de plantas, logo inaugurou uma das janelas com uma pequena muda de Rosa Menina. O vaso ficava bem na direção de um abajur comprido, de hastes imitando pétalas abertas, cuja lâmpada era o centro. Era uma luz antiga, daquelas amarelas. E ela testemunhou toda a metamorfose da pequena planta acomodada naquele gentil vaso.

Passado um mês mais ou menos, começaram a despontar os gomos das flores. Certa madrugada o abajur percebeu que o primeiro gomo estava se abrindo, e dela saindo vagarosamente, como se espreguiçando, a primeira Rosa Menina. Vendo aquele milagre orgânico da Vida, o abajur apaixonou-se pela florzinha. Ficou incandescente desde a manhãzinha com sua luz amarela a se alastrar pelo ambiente. E pouco antes de ser desligado, o abajur soube pela própria florzinha que na madrugada seguinte ela não mais estaria ali, pois ao longo do dia iria murchar e morrer. O abajur ficou tão triste... tão triste, que aquela emoção fez o filamento de sua lâmpada se romper.

Porem, a luminária sabia que sua luz seria trocada por outra, mas aquele abajur não poderia mais suportar a ausência de sua rosa menina. Então decidiu nunca mais passar energia pelos seus filamentos, e desse modo não teria mais serventia. Aconteceu assim de a dona da residência se desfazer do objeto, indo ele parar em um canto do quintal da casa, onde eram depositadas coisas que não tinham mais serventia.


Deitado no chão onde alguma grama o acalentava, por coincidência da Natureza, precipitou-se espontaneamente um pequeno canteiro de Rosas Meninas. Visto isso a dona da casa não teve outra opção, senão deixar a luminária onde estava, pois se o retirasse de lá, todo o canteiro iria ser arrancado junto. Assim, aquele abajur foi sepultado, sendo ele consolado diariamente pelo nascimento de várias Rosas Meninas, que lembravam a primeira que ele havia visto e se apaixonado.



[Katiuscia de Sá – 07/09/2014, às 11:10h]