“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Aurora de Junho


... então Ave Que Não Se Sabe o Nome desenrolou com seu bico os papeizinhos encontrados no chão. Alguns, ainda enterrados. Outros meio rasgados; uns ainda inteiros, porem sem palavras por escrito. Estes em branco – àqueles sem qualquer indicio de tinta – lamentavam não terem sido preenchidos por alguma emoção. Sua brancura refletia o som e luzes das estrelas. Era uma beleza singular e angelical, sem ninguém para ver ou ouvir tão maravilhosa manifestação de fantasia. Perdia-se tudo na vastidão do Espaço.

Lentamente Ave Que Não Se Sabe o Nome separava a história destes pedaços em branco, deixando-os todos muito bem pertinho de si. Pudesse talvez arrumar um ninho... ainda assim, com as eternas noites pela frente, qualquer ninho seria desperdiçado.

E cada pedacinho de papel cândido, Ave Que Não Se Sabe o Nome os colocava cuidadosamente sobre suas penas. Então suas asas ficavam mais fortalecidas. E no terror das noites, poderia voar bem alto e não absorver  a violência dos relâmpagos.

Muitos olhares sobre tudo... tanta vida vivida... tudo tão abundante e farto... entretanto, nenhuma outra ave à vista...

O voo seguia.

Havia toda liberdade; nenhuma certeza com o que fazer disso.

Vez por outra Ave Que Não Se Sabe o Nome retornava ao chão – como já fez uma vez mais... – seus pés no solo a transformavam mulher. Mulher muito linda... tão linda Luz que cegava os olhos – ninguém jamais a viu. Nenhum homem conseguiu nota-la caminhando nua por entre a multidão. Caminhava de pés descalços Ave Que Não Se Sabe o Nome... também num silencio profundo, deixando ouvir o choro e lamentações de todas as pessoas. Uma cantiga que se escutava dos céus também, mas as estrelas dependuradas no firmamento não podiam acudi-los... pobres pessoas, tão emaranhadas como cipós.

E o chão amanhecia num Soluço infinito,  um quebra-cabeça incolor. Vazio insondável... – a canção do silencio. Uma consolação esperada... parecia que os céus da Noite eram mais negros àqueles anjos que se perderam na vastidão, cujos olhos nublaram... passavam uns pelos outros e nem sabiam disso. Um trafego intenso de negras aves sobrevoando a terra. Uma terra-alada flutuando pelo Espaço. E por isso mesmo, quem voava, voava sozinho. Não tinham nem lembranças, estavam escritas sob os pés de Ave Que Não Se Sabe o Nome, naqueles papeizinhos.

Outra vez, Ave-mulher caminhava nua pela multidão quando foi vista por uma criança de colo. Esta lhe sorria tão inocentemente querendo abraça-la, que Ave sentiu até esperanças no coração novamente. Pôde esquecer-se d’algumas mentiras... outras solidões; desesperos  e algo mais... aqueceu seu peito outra vez.

E quando sua imensidão já ultrapassava as carnes... Ave retornava aos céus secando suas lágrimas ao vento do bater das asas. Essas águas de si, faziam nascer forças e esperanças para alcançar mais uma vez quem sabe, o horizonte abrindo-lhe o alvorecer...


Katiuscia de Sá
14 de junho de 2013
13:25h

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