“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Para Edgar Allan Poe - IV (conto)


Isabelle gostava de caminhar antes do crepúsculo do dia. Saia de casa sempre às cinco da tarde para seu exercício diário e frequente, quando não às cinco da manhã, antes de ir para a faculdade. Adorava respirar o ar puro matutino. As ruas convidativas sem muitos carros e com aquele frio do orvalho coçando o nariz das folhas e galhos das árvores do parque.

Certa tarde, Isabelle distraída como sempre, ao invés de pegar seu fone de ouvido, pegou um barbante preto. Sempre desorganizada..., dessa vez não distinguiu seu material de croché embolado ao seu mp4. Foi caminhar ao som ambiente. Fazia muito tempo que não se exercitava ouvindo a vida real.

Quando a moça estava na altura do pequeno lago que circundava o parque da cidade, foi aturdida por um choramingo de criança. Foi ter... Era uma linda garotinha. Muito ruivinha, com um vestidinho imitando àqueles do final de 1800 e bolinhas. A criança parecia uma boneca de porcelana de tão alva.

Ainda com os olhos vermelhos pelas lágrimas corridas, a menininha ainda soluçava muito quando Isabelle parou defronte dela perguntando onde estavam seus pais, se ela estava perdida, e qual era seu nome. Todavia, a criança não respondia a nenhuma das perguntas, deixando Isabelle mais nervosa. Ela olhava de um lado a outro, à procura de algum guarda municipal; porem nem sinal. E de tão atenta à criança, Isabelle nem percebeu que já não havia mais ninguém por perto e que a noite e a neblina apoderavam-se de tudo.

Agachou-se defronte a garotinha na esperança de acalma-la e conseguir alguma informação. Mas foi em vão. Quando alguns sapos à beira do lago começaram assobiar festejando a noite que se erguia, foi que a menina conseguiu dizer algo: “meu nome é Isabelle...”, soluçou com dificuldade a vozinha infantil.

– Olha só que coincidência, o meu nome também é Isabelle. Mas me diz, onde estão seus pais? Você está perdida?

Então a outra Isabelle parou de chorar e ficou séria olhando fixamente para moça agachada à sua frente. Levantou-se e arrumou seu vestidinho rosa, apontou em direção ao final do lago.

– Ah... seus pais estão para lá? – aturdiu Isabelle sem muito o quê fazer, senão seguir a criança que já corria naquela direção.

Ao final do lago, havia uma cerca de arame farpado que circulava o parque, e nela uma fenda acusando que fora adulterada e esticada, como se alguém do tamanho da menininha pudesse atravessar por lá. E foi o que a criança fez, olhando com um sorriso para o rosto de Isabelle.

– Ei, espere... não entre aí. Pode ser perigoso... – Então Isabelle se aventurou a ir atrás da menina; igualmente atravessou o buraco na cerca de arame. Assim que Isabelle atravessou, a criança voltou da fenda segurando umas roupinhas de bonecas. Também pareciam de 1800 e bolinhas... De repente a neblina no parque ficou mais e mais densa e os sapos à beira do lago pararam de cantar instantaneamente. Desabou no lugar um silencio tão apavorante.

Quando a neblina foi dispersando um pouco mais, a menininha atravessou novamente a cerca e saiu de lá com uma boneca de porcelana vestida com as roupas iguaizinhas da moça Isabelle.

Com um sorriso hipnótico no rosto, a pequena Isabelle trocou as roupas de sua nova boneca e a batizou de “Isabelle II”, sentou-se à beira do lago e começou a cantarolar uma canção de ninar enquanto a neblina espessa apoderava-se do lugar, outra vez instaurando um silencio apavorante.


Katiuscia de Sá
10 de junho de 2013.
16:27H

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