Estávamos muito atentos, com medo e ainda ofegantes. A escuridão
e os obstáculos naturais nos deixaram bastante cansados. Não tínhamos ideia de
quantos quilômetros já havíamos alcançado. Aquele capim espesso e todo cheio de
serrilhas nas bordas nos maltratando a pele; os insetos quase atravessando nossos
olhos arregalados lutando com a incapacidade imediata de enxergar algo naquele
breu; a mente cheia de pensamentos ainda tendo que dividi-la com a possibilidade
de anfíbios atacarem a qualquer momento nossos calcanhares nus ou mesmo nossos
pés descalços pisarem naqueles sapos de pele altamente venenosa... tudo era
possível àquela altura do campeonato. Mas já estávamos ali, não havia chances
de voltarmos atrás com o plano.
Meus quatro colegas e eu conseguimos rastejar pelo mato e
lama até uma brigada que ficava ao lado do rio de acesso às cidades. Por enquanto
estávamos perdidos naquela zona pantanosa que desconhecíamos totalmente. A qualquer
prejuízo nos jogaríamos no rio para fugir de possíveis rajadas de balas. Estacionamos
protegidos pelo matagal. Olhávamos desconfiados ao longe. O acesso estava sendo
vigiado por um guarda lotado na guarita acima ao canto da cerca.
– Vejam! Não há qualquer portão... podemos dar um jeito de
entrar sem sermos percebidos. – incentivei o grupo.
– Mas olha lá dentro, no canto do alojamento há um recruta
de plantão..., se formos pegos, não teremos a menor chance. – advertiu-nos
Santiago.
– Olhem bem... o guarda da guarita está num sono ferrado. Acho
que ele não irá acordar facilmente, a não ser que exploda uma bomba. Acredito que
dá sim pra passarmos despercebidos... – concluiu Nóbrega, quase sem força na
voz.
Embora estivéssemos com bastante medo e já sobressaltados
pela prisão anterior, não podíamos deixar escapar a chance de conseguirmos
alimento e quem sabe até roupas secas. Fazia quase uma semana que nos alimentávamos
apenas da água da chuva e com alguns escassos frutinhos mirrados encontrados pelo caminho. E
numa guerra, quaisquer que sejam as alternativas de sobrevivência, todas serão
sempre muito perigosas, ainda mais quando você integra um grupo de refugiados e
se depara com um quartel de militares não sabendo tratar-se de amigos ou
inimigos.
Decidimos então atravessar o portão, dando um jeito para não
sermos vistos. Como éramos cinco homens, qualquer coisa que acontecesse, algo tínhamos
de comum acordo: defenderíamos uns aos outros.
Lentamente, sem que decidíssemos quem e quando agir,
Santiago adiantou-se. Foi rastejando no matagal até onde desse. Agachados e
camuflados de lama que estávamos, com apenas a iluminação de tochas na cerca do
alojamento defronte, se não nos mexêssemos bruscamente, não seriamos notados. Seguimos.
Ao final da vegetação confundíamos com o terreno.
Já rente à cerca, avistamos o guarda que estava de prontidão
à porta da primeira cabana. Contudo, uma prontidão muito íntima de um
sono tão pesado quanto um vagão de trem. A sorte nos sorria. Aproveitamos. E foi
certeiro! Havia latas de comida, cobertores e uniformes. Havia também umas
caixas contendo armas e munição, e alguns aparelhos eletrônicos que ajudavam na
sobrevivência em terrenos inóspitos. Estes Nunes quis saquear... sua ganancia
nos atrasou na hora de sairmos de volta ao matagal.
Por ser uma carga mais sensível e pesada, Nunes se
atrapalhara um pouco no transporte do aparato, deixando-nos ainda mais tensos e
preocupados. Nem as palavras sensatas de nosso companheiro Assis convenceu a desistência
de Nunes em carregar aquela tralha toda. Dizia-nos ele, que iria vendê-los se conseguíssemos
alcançar a cidade mais próxima. “Vender pra quem?” – argumentava Assis, “Numa
guerra ninguém tem dinheiro! Deixa de ser besta, cara! Larga isso aí!” – mas em
situações extremas e com forte carga emocional na cabeça, talvez a real índole das
pessoas possa vir à tona. A de Nunes era a ganancia pelo dinheiro, sem dúvida...
A cada passo que dávamos, olhávamos ao redor. O ruim era que
a caixa que Nunes carregava fazia uns tilintas dos metais se balançando... e
esse som era diferente do barulho das arvores e do som habitual da natureza que
nos cercava; não dava para disfarçar. E num momento desconsiderado e sem jeito...
Nunes tropeçou.
Fomos pegos. Levamos uns bons sopapos e ameaças de morte,
porém nosso castigo foi menos cruel e mais providencial que esperávamos. Os recrutas
se entusiasmaram com as mirabolantes prisões dos filmes norte-americanos, e
resolveram nos amarrar a todos em cima de uma jangada atada ao lago próximo à
base deles. Se conseguíssemos nos livrar das cordas e não fritar ao sol
escaldante durante os dias; se sobrasse força para escapar e não voássemos todos
em direção ao miserável do Nunes... podíamos nadar até a costa próxima e nos
embrenhar novamente no matagal para tentarmos sobreviver àquela horrível guerra.
Katiuscia de Sá
12 de junho de 2013
14:27h
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*este foi meu sonho
hoje pela manhã. Quis me concentrar nos estudos durante o dia, porém já saí de
casa com o sonho e a sensação dele bem fresquinhos na cabeça. Resolvi escrevê-lo
(pra me livrar dele e ficar em paz...). Neste sonho eu era "Fontoura", um dos homens que integrava o grupo de fugitivos. Estranho que nem filmes de guerra eu
assisto, pois não curto muito. Mas as imagens do sonho, bem como sua trama,
estão tão frescos na minha cabeça, que aproveitei para transformá-lo em um
pequeno texto de ficção. Lembro-me de meu avô Benício no exercício diário de
relatar seus sonhos, ele o fazia com tamanha riqueza de detalhes que também se
transformavam em verdadeiros textos orais ricamente descritivo-narrativos: umas
histórias que eu adorava ouvir, pois eram cheias de imaginação e de coisas
inusitadas. Meu avô relatava seus sonhos com tamanha propriedade e sem pressa. Era-me
tão agradável escutá-lo falando. Acho que minha mente imaginativa puxou a de
meu avô, ainda mais com o incentivo dele durante meus anos da infância. A maioria
das vezes sonho cenas que podem virar filmes ou livros, acho isso muito
divertido.
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