Frederico havia-se mudado há poucos meses. Ainda não conhecia
bem a vizinhança. Esta, à primeira vista, mostrava-se ainda em sua crisálida,
tão sonsa e despercebida quanto um detetive particular aconchegadinho em seu
escritório absorvido pela leitura do jornal matutino; era uma vizinhança profissional
como um velho açougueiro que tem um olho cirúrgico na carne e outro na nota...
Frederico dispunha-se a sair todos os dias na mesma hora
pela manhã, ia caminhando para o seu trabalho; seu escritório ficava bem no
coração do Comércio. Foi um achado este emprego de contabilista em pleno
dinamismo econômico da década de 1950. Onde a carestia fustigava quem ainda não estivesse bem colocado em um decente posto de trabalho.
Embora, morando na Quintino Bocaiúva – no afamado Reduto, Frederico
desconhecia a reputação do bairro: sempre discreto, sempre comercial, sempre
muito elegante, sempre bem localizado... com poucas casas residenciais, posto
tratar-se quase exclusivamente de um bairro industrial, cujas construções eram relegadas
ao comercio, estivas e pequenas fábricas sendo modernizadas por capricho daquela
década bem sucedida, onde o País experimentava o slogan “50 anos em 5”. Ainda assim,
havia muitos casarões remanescentes do ciclo da borracha, em estilo colonial.
Frederico morava num deles. Passava a maior parte fora, devido seu trabalho.
No seu primeiro final de semana em casa, o rapaz foi tomado
por um agradável cheiro de comida. Vinha provavelmente da casa vizinha. Mas era
um cheiro tão saboroso, que Frederico lambia os beiços, imaginando o gosto
daquele vapor delicioso que enchia de fome sua sala de estar. Foi encostar-se à
janela para decifrar exatamente de onde vinha aquele tão saboroso odor. Nenhuma
pista, porém! E no dia seguinte, à mesma hora o cheiro de cozimento invadia-lhe
as narinas.
Era de enlouquecer de vontades para saborear aquele alimento
de cheiro tão delicioso. Dessa vez Frederico arriscou-se a dar uns passinhos fora
ao átrio da casa. Foi perdigando até seus olhos deduzirem que o cozimento
estava sendo feito há duas casas depois da sua. Desde então, todas as vezes que
se dirigia ao seu trabalho, passava em frente a tal residência para descobrir quem
era a cozinheira.
Após um mês nessa discreta investigação, Frederico não evolui
em nada. Nenhuma conclusão de quem fosse a moça de mãos de fada e colher de
pau. E sempre aos finais de semana o rapaz ficava em reboliços, querendo
experimentar o delicioso alimento que lhe atrapalhava os pensamentos através do
nariz. Estava ficando sério o negocio. Frederico já nem dormia, e o pior, nem
comia mais... queria apenas aquele alimento etéreo.
Até que numa tardinha de domingo ele aventurou-se a bater na
casa da suposta cozinheira. Apresentou-se e disse à moça que muito lhe agradara
o cheiro da comida que fazia. O melhor foi descobrir que a jovem que cozinhava
era igualmente apetitosa, embora muito recatada. Esta lhe dissera que morava
só, que os pais haviam falecido num terrível incêndio, e que apenas ela
sobrevivera. “Era uma historia triste”, comentou o rapaz.
Conversaram tanto, que nem viram o tempo passar. Já era alta
noite quando Frederico se dispôs a retornar à sua casa. Porém, desde aquele domingo
ninguém mais havia visto o jovem contabilista. Alguns diziam que ele fora pego
pelo fantasma de Celestina, a jovem que morrera com os pais num terrível incêndio
em 1943, naquela mesma rua; os escombros do casarão ainda podiam ser vistos a duas casas de onde Frederico marava.
Katiuscia de Sá
Em: 01 de junho de 2013
Às 17:42h
---------------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário