“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Meu Paraíso

Para meus avós, com muito amor. (in memoriam).


Quando criança, entre seis até meus doze anos de idade, eu adorava afundar-me pelas penumbras da casa de meus avós; principalmente naquelas horas do dia em que todos descansavam no período da tarde, ou no inicio da noite quando os mais velhos mantinham aquele costume dos serões nas reuniões à porta da casa; raramente me juntava a eles – meus avós, tios e primos; preferia a solidão, o recolhimento e silencio meus, do que aquela balburdia coletiva, embora algumas vezes estivesse junto àquele alvoroço divertido apenas observando coisas que ninguém mais reparava. Às vezes era uma maneira de falar de um; outras vezes me ganhava atenção o brilho maroto no semblante de algum(a) primo(a) endiabrado(a) na iminência de aprontar algum desaforo...; ou quando não, apenas me enroscava nos braços de minha avó e ali me sentia eternizada.

Esse costume de andar pelos aposentos de meus familiares quando eles não estavam presentes trazia-me tanta paz e um sentimento de possuí-los a alma, como observar em maiores minucias seus pertences, acariciar seus objetos e porta-retratos; folhear-lhes os livros... essas pequeninas coisas habitavam meu paraíso. Minha maneira contemplativa e silenciosa de amar-lhes era quase um segredo; muito embora em momentos de extrema leveza eu os abraçava e beijava-lhes o rosto do nada, em ocasiões incomuns. Minha avó já nem ligava para minhas meninices repentinas, e meu avô estava sempre aberto para aconchegar qualquer um de seus muitos netos. Mas meu irmão e eu sabíamos que de todos, nós éramos os seus preferidos e nem por isso ficávamos vaidosos; pelo contrario, tínhamos mais respeito e gratidão de sermos tão amados pelos nossos avós.

Sinto falta desses passeios secretos pela penumbra da casa antiga onde passei a maior parte de minha infância... saudades daquelas tardes secas e silenciosas de vento –  aquelas tardes sólidas que me envolviam com seu mormaço solitário e aconchegante. Minha imaginação soltava-se de minha mente e alastrava-se por todo ambiente, e por isso mesmo parecia-me que eu o respirava para dentro de minha alma. Algo como se eu me impregnasse daquele espaço e dos meus para todo sempre. Se eu fechar os olhos, ainda me lembro das correrias de meus primos pelo saguão da casa... lembro-me de minha avó vencida pelo sono roncando sozinha, sentada em sua poltrona na sala... lembro-me do silencio que reinava naquele lugar mágico – a casa de meus avós; recanto cheio de pequenos esconderijos onde eu me refugiava do mundo chato dos adultos.

Sentia-me como um pequeno pássaro a vasculhar gravetinhos pelos cantos da casa a fim de construir meu ninho. Flutuava. Sobrevoava tudo com muita minucia... e hoje carrego intacto tudo aqui dentro de mim. Se eu pudesse voltar no tempo para sempre... não queria nada mais do que estar segura nos braços de minha querida avó, ou brincar de faz-de-conta com meu mano no quintal de casa no finzinho das tardes, ou dividir o colo de meu avô com John (meu mano) ouvindo suas estórias maravilhosas sobre o céu estrelado.


Katiuscia de Sá
01 de julho de 2013
Às 16:46h



Nenhum comentário:

Postar um comentário