[Para Marco].
*Romance infanto-juvenil (Realismo Fantástico)
*Romance infanto-juvenil (Realismo Fantástico)
[O amadurecimento
prescinde de muitas lágrimas. Os ritos de passagens são sempre muito dolorosos
e repletos de desesperos, por galgar cada degrau que nos leva à absoluta
escuridão. O dilatar das sensações em busca de algum ponto luminoso dentro de
nós mesmos. A tristeza extrema é também uma temperatura do calor que transforma
os elementos para algo mais leve, mais sutil... Uma sobriedade dos sentimentos que
resistem aos fardos e, sobretudo, ao abandono da esperança. Em terras distantes
a dor é assimilada como a canção de todos que passaram pela existência e mantiveram firmes
em suas mãos a alegria pura que em vida seus corações puderam sentir].
“Você não tem hora pra nada… não tem compromisso com nada…”
– Zuzu lembrava-se das palavras da tia daquela manhã. Ficara tão magoada e por
isso mesmo havia saído de casa o dia inteiro desejando a imensidão do campo, para
deixar suas tristezas naquele matagal alto que se inclinava feliz conforme a
direção dos ventos. A mocinha não compreendia porque os adultos sempre tinham
que afirmar para si (e para o mundo), que rumo tomar na vida. Zuzu tinha a alma
larga, espaçosa, sedenta de experimentações, de vida, de vontades... alma tão imensa
como uma poesia que abriga todas as esperanças do mundo; e por isso mesmo
ninguém entendia quando a adolescente dizia que queria ser artista. A tia de
Zuzu preocupava-se com essa escolha, pois ‘Artista’ era um oficio perigoso
naquele momento social. O Governo estipulara um Decreto Oficial onde esclarecia
que todo ato ou construção intelectual que fomentasse agitação de alegria ou
sensibilizasse o Espírito das pessoas, seria considerado fora da Lei. Mas Zuzu
nascera justamente com esta vocação nas entranhas, e por mais que quisesse
adaptar-se ao mundo, era-lhe impossível. Sua verdade era maior até mesmo do que
a perdição das pessoas por desejarem, às escondidas, qualquer sentimento.
– Parece que hoje o caminho está mais escuro do que de
costume... – mastigava Zuzu as palavras entre os dentes, febrilmente angustiada
e quase fora de si. Ela olhava rente aquele nada escondido no caminho sombrio à
sua frente; carregava consigo um semblante à beira do limite de si mesma.
– Por favor... quantas vezes eu terei de me desculpar por
amá-la? – Confessava Leans com seus olhos de orvalho derramando sobre sua face,
tornando sua pele alva ainda mais cintilante. O anjo se ressentia por saber
tudo o que se passava no interior da menina; não podia evitar também aderir à
tristeza que Zuzu era obrigada a carregar sobre si. Um peso tremendo capaz de
adoecer até mesmo o espirito mais otimista da face da Terra. E numa explosão de
angustia retida, Zuzu largou a mão da criatura que conduzia consigo, e pôs-se a
chorar convulsivamente:
– Porque você despertou sentimentos em mim, se você não
seria capaz de correspondê-los? Porquê...? – E como querendo fugir de si mesma,
Zuzu disparou a correr noutra direção, sendo seguida por Leans e pelo
alienígena, que se ressentia bastante da dor que a menina carregava no peito. A
garota queimava por dentro aquele fogo azul que rasga as entranhas, possuindo a
alma de quem um dia teve a audácia de amar alguém na vida...
Após desbravar os campos selvagens e esquecidos pela desumanidade,
quando não tinha mais forças no corpo nem nas pernas Zuzu abandonara-se,
deixando-se desabar sobre a terra; e mesmo que aquele chão mestiço quisesse
ampará-la não seria capaz, pois às vezes a realidade é tão dura quanto o solo
que nos recebe os pés descalços nesta caminhada individual, que é a vida.
Quase como um uma canção vinda do céu entoada pelos ventos àquele
campo solitário, Zuzu deixava escapar seus pensamentos. Sua boca escorria para
o queixo as lágrimas silenciosas de uma dor tamanha e intensa comum aos corações
jovens e apaixonados de primeira viagem. Não cabendo mais em si, a jovem
desabafava para ninguém.
– É por isso que dizem que sentimentos são perigosos... isso
faz as pessoas sofrerem... – Zuzu encarava o anjo, cuja dor espiritual poderia
ser comparável à covardia de todas as pessoas que se negam viver em sua
plenitude o Amor que lhes é oferecido pelo Universo. Do outro lado Leans
chorava as dores dos séculos vividos... chorava todos os olhos dos amantes que foram
impedidos de viverem suas paixões na vida.
– Zuzu, isso não vai ajudar em nada... por favor... sei que
é difícil, mas tente se recompor.
– Não é uma troca justa, Leans. Seus sentimentos aqui dentro
de mim em favor de minha companhia pra você. Sentimentos não me servem pra
muita coisa, afinal não sei o que fazer com eles... ainda mais: deixam-me péssima.
Fico assim tão sem rumo. Não posso tocar em você... não posso abraça-lo... eu
trocaria todos meus anos de vida só para me perder em seu abraço, meu amor! –
as lágrimas surgiam livres pela face de Zuzu tão jovem e já tão sofrida pela
desilusão precoce.
A menina de joelhos sobre o barro fora da estrada em que os
três iam. Zuzu apenas sabia de um turbilhão dentro de si; emoções desconexas de
medo, solidão, amor, ciúmes... e todos eles vindo por causa de Leans e para
Leans. E novamente ela o encarou, tão trancada em seu próprio desespero juvenil:
– Cheguei à minha escuridão... e a única luz que vejo é
você, mas você me machuca... O amor é um demônio, Leans... me ajude, por favor!
– e pela primeira vez os olhos de Zuzu também eram de orvalho, e escorriam pela
sua face, deixando aquele semblante inocente e angelical ruborizado por uma
cólera invertida, uma angústia sem medidas. E o pobre anjo ali, sem poder abraçá-la
e ampará-la... parecia um eterno castigo – um acorrentado ao outro, justamente
porque se amavam.
– Porque deve ser assim, Leans? Você tão próximo e tão longe
de mim... – e num ato de desespero, a jovem tentava inutilmente tocar a pele
daquele anjo que também chorava ao lado dela; mas era em vão. Leans mostrava-se
tal espectro transparente que a menina podia atravessá-lo se quisesse.
– Sinto que estou prestes a enlouquecer, meu amor... – confundia-se
Zuzu em direção ao seu anjo. – Por favor, me ajude... seja generoso comigo;
Leans me esqueça... vá para bem longe, um lugar que você me esqueça e assim
também eu o esquecerei.
Nesse instante a criatura estava tão envolvida com o que se
passava, que pôs uma de suas mãos sobre o plexo da menina. E como num passe de
mágica, retirou toda aquela sofreguidão de dentro dela. Após todos se
acalmarem, o anjo sentou-se ao lado de sua amada. Em principio ficaram largos
momentos em silencio, contemplando apenas a escuridão embalada pelos sons do
vento e da noitinha que se alastrava por tudo. Depois, curioso para saber
quando e como foi estipulado pelas autoridades da Cidadela, que portar
sentimentos era fora da Lei; então o anjo perguntou à sua amada.
Zuzu ficou trêmula, pois tudo que envolvia essa decisão
radical por parte das autoridades, fazia retornar aos tempos de caos social, (falavam
os mais velhos). Contudo, a menina sabia de algumas histórias...
– Dizem que tudo começou quando um morador da Cidadela se
apaixonou por uma senhora das redondezas... eu não sei bem, pois eu era muito
pequena, e os adultos sempre nos escondem a Verdade... mas minha tia uma vez cochichou
isso com uma amiga dela e sem querer eu ouvi.
E com sua imagem muito desfocada de si mesma, feito holograma em televisão mal sintonizada, Zuzu entrara num transe secreto, e pôs-se a falar
feito um pequeno aparelho reprodutor de som:
– É o Vento dos Murmúrios, uma tempestade infernal... havia
muitas décadas que ele não se formava. Os mais velhos diziam que se trata do
anuncio de tempos ruins. Um aviso. Dizem ser o próprio fantasma de Loryanna perambulando
com seu cabelo de vassoura dentro da tempestade... de tempos em tempos ela vem
à Cidadela e toca nos moradores deixando sobre eles um pouco de sua saudade...
a saudade de seu amado que dorme eternamente – Tomázio.
Após proferir o pequeno relato, a jovem retornara ao normal
como se despertasse de um pequeno cochilo momentâneo. E Leans aproveitou logo
para perguntar quem eram aquele Tomázio e Loryanna. E quando a garota
continuaria a história, o céu já bastante pálido, partiu num relâmpago inesperado
e as estrelas vinham descendo lentamente em forma de pingos de chuva
acompanhadas pelos ventos dos campos, agora bastante agitados. Era o próprio Vento
dos Murmúrios se aproximando, feito a profecia pronunciada ainda pouco pela voz
da menina. E rente ao horizonte, todos avistaram aquele espectro com o cabelo
de vassoura...
– Zuzu, veja! É a tal Loryanna que você falou?!
– Eu... eu... acho que sim. Bem, eu nunca a vi, mas pelas
circunstancias e descrições que ouvi de minha tia, acho que seja...
E nem deu tempo de nada. O ambiente se transformara num
enorme tufão sombrio. Embora a ventania não arrastasse ninguém, trazia um
calafrio na alma de todos. Pela escuridão instaurada instantaneamente, ninguém
pôde arredar o pé dali; o alienígena não reagia a nada, apenas observava, mas todos
com as vistas turvas pela poeira levantada, em alguns flashes de segundos, iam
acompanhando a figura de Loryanna vindo em sua direção.
[continua...]
Katiuscia de Sá
Escrito entre: 14 e 25 de julho de 2013.
*ouvido “Haja o Que
Houver” (Madredeus).
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*Leia também A Cidadela do Campo - CAPÍTULO UM
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