“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

terça-feira, 22 de março de 2011

FORTALEZA

*Para meu amigo H.


Todo ar gemia. Havia uma fumaça bege recôncava. Sentia-se alguma angustia, todavia, a Natureza sabiamente compreendia que para algo novo nascer, deveria acontecer a Morte. Uma semente sacrifica-se abrindo seu ventre, deitando-se ao chão, lentamente devorada pelos galhos em nascimento. Morre a semente, nasce a árvore. Assim acontecia com Plutarco. Alguns pablos o tinham avistado vagando pelos terremotos oferecendo seu tecido fresquinho, recém tirado do corpo. Seu esqueleto cheirava carniça; com isso atraia apenas abutres a devorá-lo ainda mais.

Plutarco queria morrer às beiras das águas... conheceu o pior desespero da via: a desilusão, o desamor, a mentira, a trapaça, os chifres... e vários eles Plutarco arrancava e colhia poesia; poesia não uniforme: alguns pedaços tinham determinada cor, cheiro e tecido. Usava esse cobertor quando o sol enrijecia. Queria permanecer aquecido mesmo após sentenciado.

Tinha um amigo que se vestia de preto. Normalmente não falava, embora sempre presente. Apoio moral nas horas delirantes. Cores de chita soltavam-se de Plutarco. Um dia, porém, Plutarco abriu o olho que tinha bem no centro de si, este chorava quietinho porque havia um cisco. Como as peles tivessem sido arrancadas, devia deixar ver melhor, mas o cisco cobriu-lhe a vista.

Arrancando tecido mais e mais e mais... Plutarco pegou seu olho com os dedos, lavando-o à beira a praia, recolocando-o no lugar. Dançava castelhano, e uns pablos que passavam ouviram a musica e deixaram de contrariar Plutarco, ele já sentia uma pontinha de sorriso.

Após tantos escuro e berros no curral, Plutarco encontrara companhia – uma florzinha que nascia no meio de suas peles repuxadas. Ele a batizou de Mouana, a florzinha que se escondia da chuva. Plutarco a alimentava com seu próprio sangue. Mouana de tão doce, vivia cercada por abelhas; estas ferravam a carne-viva de Plutarco, causando-lhe inchaços; mas nada que um amor verdadeiro não pudesse suportar.

Quando as raízes de Mouana chegaram às faces de Plutarco, causou-lhe um novo visual: mais maduro, mais viril! Ambos se tocaram pela primeira vez num interminável declive.


Katiuscia de Sá
16 de março e 2011
Salvador/BA

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