“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

segunda-feira, 14 de março de 2011

Comportamento

Imagem: "O SONHO", de Henri Rosseau


Ontem a noite chegou-me às mãos uma revista especializada intitulada “Mente, Cérebro e Filosofia, nº6 FOUCAULT/DELEUZE: a dissolução do sujeito”; para ser franca, a revista não me chegou às mãos, entrei no quarto de meu amigo H. e a vi dando sopa, peguei para devorar. Gostei muito do conteúdo, e um fato que me instiga, é a questão de a genialidade está quase sempre de mãos dadas com a loucura... poxa! O que nos faz compreender o termo “genialidade” e “loucura” de forma isolada?

Então, durante toda minha infância e parte de minha mocidade estive sempre muito próxima de um tio considerado “louco”; tomava remédios controlados e ia internado vez por outra. Eu era criança, mas percebia sua limitação lingüística e também no ato da conversação. No momento de tecer idéias, meu tio Phídias, (meu avô era ardoroso fã e admirador da cultura grega antiga) fitava-nos com um olhar vazio, infinito para dentro de si, o lume opaco e arregalado; e por conta disso a família o isolava frequentemente... eu não! Gostava de conversar com ele, de observá-lo. Ele sempre foi muito doce e atencioso comigo, em seus acessos de loucura nunca tive medo dele, nem o discriminei. O tempo que pude, desfrutei de sua adorável e imaginativa companhia. Mas sabia que tio Phídias era portador de sérios problemas mentais.

Ainda está bastante fresco em minha memória, o olhar de meu tio louco, (quando preciso, acesso isso para utilizar no palco...), acredito que ele não tinha meios físicos ou cerebrais adequados para expor seu mundo interior, daí sua loucura se manifestar pela angustia dessa inaptidão, além dele nascer e viver num lugar desprovido de condições favoráveis para seu desenvolvimento... eu mesma fico pensando como eu pude dar um salto quantitativo, atravessando tantas dificuldades de todo gênero. Estou certa de que não utilizo ainda nem 50% de meu potencial criativo intelectual, mas acredito que até o presente onde mergulhei, é o que deve ser; tudo acontece no tempo certo.

Sei que, às vezes, muitas pessoas me acham um pouco “estranha” em meus modos, mas acredito tratar-se apenas de uma questão comportamental. Na maioria das vezes eu prefiro meu universo interior ao exterior... mas aprendi (a duras penas) a dialogar com as pessoas ao meu redor.

Mas o que chamamos de “loucura”? desvio de atitudes, de conduta moral; algo que fere as normativas sociais; que agride o balé comportamental do cotidiano coletivo; algo que quebra as regras de maneira negativa. E a “genialidade”? faz tudo isso, entretanto, através de uma intervenção positiva e necessária para quebras de paradigmas. Os produtos oriundos de uma mente genial são importantes hiatos para a reformulação da ordem social; servem também para revisar o que a história da humanidade tem feito e interferido na vida da coletividade.

Ao assistir, por esses dias, ao documentário “ESTAMIRA”, deparo-me com uma suposta “louca”, transgressora do comportamento social. A “louca” nos comove e nos convence dialogando com a câmera utilizando um português ruim, cheio de erros e neologismos para ela verbalizar suas idéias, e nos toca ao revistarmos certas verdades universais que há muito foi engolida pelo status quo.

Fiquei estarrecida, e chorei em várias partes do filme. Como uma sociedade dita “desenvolvida”, relega alguém com tamanha sensibilidade e entendimento das coisas para o local onde a protagonista do documentário foi parar? Tudo porque ela manifestava idéias contrárias à organização social e comportamental da sociedade? (...) Quem são os loucos? quem está preso e quem vive em liberdade? Uma questão a ser observada...

Acredito que a loucura e a genialidade estão relacionadas com a capacidade que o individuo tem de organizar e expor suas idéias. Se a mente estiver privada de algum dispositivo necessário de compreensão das coisas, ocorre um lapso entre o que a sociedade determinou como status quo, daí existirem indivíduos psicopatas, criminosos, vândalos, etc... A noção de moralidade ou de amor ao próximo é prejudicada pela inexistência de mecanismos para frear instintos destrutivos nos indivíduos.

Eu iria mais longe... classifico como loucos transgressores perigosos todas as pessoas em situação de cargos administrativos que desviam volumosas somas em dinheiro, prejudicando parcelas da população, privando-os de melhores condições de saúde, moradia, educação, etc. para mim, a característica denominada “corrupção” entra no bojo classificatório de sujeito inapto ao convívio social, pois sua conduta é de ordem do defeito, da vergonha, do escândalo, que interfere negativamente na existência harmônica do coletivo.

Compreendo que inúmeras questões de ordem político, social e histórica influenciam na formação mental dos indivíduos, porém nada justifica a perversidade permanente nos atos de pessoas com determinado poder nas mãos, que seriam - a priori - motores para benefício da coletividade. Corrupção... isso para mim é doença, loucura das brabas... acredito que a existência de condições miseráveis na vida de pessoas desprovidas de melhores condições monetárias, influenciam na formação do caráter e também das escolhas, mas aquele que nasceu em “berço esplendido”, quando comete um ato inescrupuloso, tem haver com sua vontade e disciplina de administrar sua vontade em relação às coisas.


Katiuscia de Sá
14 de março de 2011
Salvador/BA





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