“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

ILUMINÁRIOS – LIVRO ÚLTIMO


*Imagem: René Magritte
(Para: Vicente Franz Cecim)

Um filamento prendia o cérebro que flutuava acima do céu. E no Espaço pensava. Logo abaixo a pequena caminhava para movimentar o corpo. Estava em vigília. Lutava para manter sólida a lembrança ainda armazenada na memória. Porém, boa parte já havia evaporado. A decisão persistia em cauterizar o coração. E no meio da ginástica dos ossos, aqueceu o cérebro novamente. Todas as folhas reluziram e a escrita punha-se em movimento outra vez. E agora tendo as mãos vazias das Dele, regressava ao Lar, onde oO encontraria à sua espera.
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Vários sonolentos espalhados, mas nenhum deles pertencia ali. Tapuia recolhera as asas, pois o cérebro flutuava acima do céu. No Espaço, então!? O ninho das Aves. Eles terão um filho, mas um pequeno planeta em órbita. Chamariam Lunar, a cabeça do lápis que escreve.
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Três dias maturando a Alma que veio. A Vontade de existir venceu o Pensamento. O diafragma reagia a cada sopro. Restabelecia-se. Ele ouviu a voz dela: “Cecim... Cecim... Cecim... Cecim...”. Ela estava presente mesmo com o cérebro suspenso. O copo aqui. E com este pregado ao chão, relaxava. Aquele indivíduo sólido e branco a envolvia. Ele era o único de sua espécie, e ela também. Juntos seguiam.
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A pequena deixava-se ficar, pois o filamento que existia lá em cima e ali em baixo era Amor; Amor que trouxe Lunar à vida. Tinha seus ciclos de Luz no firmamento. Pequenos brilhos partilhavam entre si toda a Beleza do Universo, que ambos também tinham – a pequena e aquele índio branco.
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Grilos cantavam escondidos nos matos. Corujas brilhavam seus olhos. Cururus açoitavam os barrancos dos rios com seu barítono canto. Era a vida misteriosa e Bela envolvendo o interior Dele. E a pequena Tapuia morava ali, Agora. Tanto tempo fora de Casa... Descobria ela, cada emoção genuína. Emoções Reais e profundas, um fundo de oceano. Águas turvas e gélidas. Silenciosas como Ele, o Pensamento.
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A semente formava-se. Os filamentos Dele chegaram nela com toda força. Um emaranhado de selva. Os bichos cantavam seus corpos celebrando a vida. No inicio das manhãs sabiás e bem-te-vis gritavam suas gargantas ao calor dos primeiros raios de sol (os olhos de tapuia e do índio branco florindo). Borboletas multicolores ministravam o compasso da melodia visual. Um sustenido.
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Várias notas musicais nos carros. Nas igrejas. Nas casas. Nas pessoas. No mundo... inalados e engolidos a cada instante. Recolhiam-se abrindo espaço ao Espaço do cérebro suspendido. Abaixo, o corpo dormente a caminho de Casa, “Andara”, como Ele dizia... seus braços a queriam. A fotossíntese, segunda etapa da metamorfose, a Vida.
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Nuvens em torno da Luz suspensa. Um oceano frio com geleiras compondo o néctar da noite. Nenhuma coruja ausente. Muitos lilases e azuis. Cada geleira que passava alegrava mais aquele céu oceânico, pintado ao vivo em cores movimentos. A Vontade.
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Como cérebro ainda nas nuvens preso por extenso filete, graveto inicial do ninho. Era esse o sonho? Mas o menino branco não dormia. Quando fechava seus olhos de Sol, acordava para a outra Vida, onde a pequena caminhava para movimentar o corpo de ossos com o cérebro suspendido.
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Depois que a Ave Que Não Se Sabe O Nome voou, Menino branco afundou-se mais e mais em si, deixando-se escapar mais um Verso: o coração, o Dela. Já amanhecido de flores venenosas, não haveria outro caminho, senão, sucumbir ao que estaria escrito durante todos os meses que já passaram. Os Tempos fora de lugar... O Tempo sempre incompreensível e maldito! Foi exaurido. O Tempo, Senhor de tudo e invencível!
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A pequena indo tão rápida durante a travessia da Mata, desabotoou seus olhos pela ultima vez. E da pintura corporal – traço de seu povo, fez-se concreta! Tão concreta e forte, alcançando alturas inimagináveis acima do Sol e das Nuvens, que o menino adormecido sobre a relva de si mesmo, nunca iria alcançá-la, não mais...
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Então ele depositou seu ovo nela; estaria Presente por outro Caminho, mesmo após seus Sóis que anoiteceram para sempre. Essa era a única prova de Amor que ele era capaz de realizar por aquela menina perdida para sempre de sua tribo, porque seus olhos já haviam anoitecido..., os dele. Ele partiu sem sua Eva. Na profecia de Domã-Naã algumas criaturas evoluem ganhando asas; outras evoluem, ganhando sonhos... A pequena ficou com os do índio branco, os Sonhos. E ele se foi.
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Tapuia acordou naquela manhã sem os zumbidos no ouvido, e os mosquitos não lhe fizeram nuvem nos pensamentos. Todos na aldeia estavam bem, e ninguém mais ouviria o barulho das cigarras.
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Katiuscia de Sá
10/10/2010.
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*ILUMINÁRIOS - Livro Três:


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