“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quarta-feira, 3 de abril de 2013

INVERNO SOLAR



Seria um longo inverno, o mais longo de todos os períodos daquelas terras. Era estranho imaginar um inverno seco, sem chuvas, sem neve, sem frio... apenas o chão seco e rachado, sem água, sem vida em qualquer canto. Mas seria desse modo. O pouco verde que teimava em agarrar-se naquelas terras magentas, desbotava suas cores à violência da luz solar. Os poucos animais rasteiros alternavam partes de seus corpos uniformes no solo para não morrerem queimados em suas peles. Haveria tristeza e desespero tão silenciosos naquela estação de inverno seco profundo... nem as vozes dos pássaros alegrariam os ventos parados naquela região sonegada de chuvas. A dor nas costas da terra indicava este sofrer.

Conta uma lenda que há muitos séculos, onde hoje não chove nem neva nem faz frio,  havia vida, mas esta se fora por uma briga que houve nos céus entre as nuvens e o sol... como o egoísmo do mais forte foi maior do que o bom senso do amor coletivo, quem antes amava fora vencido pela impaciência do Tempo... pois disseram que o Tempo não sabia esperar, que ele corria implacável destruindo e (re)construindo as coisas. Então aquele lugar virou um maciço de lembranças fossificadas, talvez nem com chuva aquele chão voltasse a umedecer para brotar amor novamente nas ancas da terra.

Havia uma florzinha, que diziam suportar aquela solidão toda de vida, e que brotava escondida diante do vazio instaurado pela seca do lugar... mas era tão escondida e disfarçada que talvez até o olhar peregrino mais atento e sedento de beleza e companhia, jamais pudesse percebê-la. A pequenina erva se agarrava a todo custo ao que chamavam esperança. Suas raízes eram tão profundas e fortes, atravessavam todo aquele deserto de almas, à procura de água para sobreviver do lado de fora da terra.  E sendo uma das poucas sobreviventes àquela aridez toda, ainda assim ninguém era capaz de saber que ela estava ali, à espera de uns olhos para contemplá-la...

Seria o mais cruel e devastador inverno: sem chuvas, sem neves, sem frio... sem vida. Uma tristeza maciça que de tão maciça se confundia com a ausência de qualquer lembrança... e sem lembrança de nada, a impressão que se dá é que nada nunca existisse. Esse era o pior dos abandonos: o esquecimento por nunca ter tentado ver o que às vistas estava-se revelando. Seria sim, o pior dos invernos... contudo, a Natureza é forte e segue adiante. Prevalece sempre a sabedoria que transborda a vontade de permanecer.


Hellen Katiuscia de Sá
03 de abril de 2013, às 20:34H.
*ouvindo 'Shadow', de Ernst Reijseger.

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