“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A Fragmentação da Memória Cultural: falência ou retomada?




Ontem eu fui visitar a exposição itinerante “60 Anos da Telenovela no Brasil” aqui em minha cidade; convidei inúmeros colegas e amigos como companhia para ir a esta exposição, em troca ouvi todo tipo de desculpas para se safarem...: “eu já tenho compromisso...”; “poxa, não vai dar...”; “não me interessei pela exposição”; “novela? Ah... francamente, fala sério!”

Essa mesma barreira mental acontece quando também convidava amigos como companhia às sessões de cinema de Arte, ninguém curte ou vai, ou se interessa, porque intitulam como ‘filmes sem graça’ (mas como saber se são realmente ‘sem graça’ se não assistem?)... resultado: desisti de convidar meus amigos e normalmente vou só, mas não me privo de minha solidão cultural. Às vezes eu mesma assisto coisas que normalmente não tenho muita afinidade, mas não me privo da possibilidade de alargar minhas conexões mentais.

É necessário às vezes prestigiar algo que normalmente você não está habituado contemplar, isso ajuda a educar e expandir sua percepção e leitura de mundo. Acredito que urgente se faz necessário uma (re)educação do olhar da população (talvez a nível mundial, até) para que se enxerguem pontos críticos comportamentais graves de uma minoria, que vai sim, atingir a maioria em algum grau em determinado, como por exemplo, o recente episódio do rapaz norte-americano que invadiu uma sala de cinema vestido de vilão do filme, e saiu metralhando pessoas no local...

Vem a pergunta que todos se fazem: porque ele fez isso? É louco... pode até ser, mas porque ele adoeceu? Sem justificar o ato do rapaz, mas se for investigar a fundo, explicações (provavelmente injustificáveis para a matança em massa, claro!) irão surgir, e talvez essas razões se tivessem sido percebidas antes, tornar-se-iam fatores para diagnosticar de repente uma depressão em grau mais elevado, ou algo assim; que se tivesse sido diagnosticado há tempo, poderia ter evitado esse ato insano... enfim, são apenas minhas conjecturas.

Voltando à exposição, mesmo sendo apenas um recorte da história das telenovelas no Brasil, foi interessante observar o desenvolvimento dessa linguagem, que querendo ou não faz parte do imaginário popular em diversas camadas de compreensão, de aceitação e principalmente como canal de formação de ideias e comportamentos na sociedade brasileira como um todo.

É inegável o poder de penetração em massa que as telenovelas exercem na população, desde as Classes A à F, o brasileiro gosta de novelas. Há estudos psicológicos, antropológicos e históricos sobre o fascínio que o ser humano tem de ‘sonhar’ e escapar um pouco da realidade em que vive, e tanto as novelas quanto os filmes, livros, romances servem como válvula de escape, além de registro histórico-cultural de determinado período.

É legal compreender como o desenvolvimento dessa linguagem nasceu e foi se aperfeiçoando absorvendo outras linguagens artísticas. No inicio era o teatro e o romance (livro); depois veio a mescla do teatro mais o romance inaugurando os folhetins (nos jornais); estes debandaram para as telas de cinema através de adaptações de diversos tipos de literatura para a telona; depois com o surgimento da linguagem radiofônica as radionovelas pegaram carona dos folhetins e também de enredos cinematográficos; e tudo isso e mais um pouco veio desembocar na telenovela, servindo de inspiração aos autores.

Indo mais a fundo, além da forma o conteúdo também foi se refinando, sinalizando que os teledramaturgos estão atentos e antenados com questões pertinentes na sociedade, os chamados ‘tabus’ que aos poucos foram sendo abordados, ora de forma lírica, engraçada ou séria pelas telenovelas. Acredito que essas ‘aberturas’ contribuíram para que a população pudesse olhar melhor determinadas chagas sociais e conseguir de algum modo, encará-las. Acho que o pior cego é aquele que não quer ver... o que não se aplica às telenovelas, pois bem ou mal todo mundo comenta um pouquinho sobre aquela cena ou aquele personagem da novelas das seis, das sete, das oito, das nove, das onze...

As telenovelas também trazem para a telinha um pouco do cinema para as massas, já houve inúmeras cenas de novelas em que o autor simplesmente faz menção ou mesmo homenagem à um filme; quem tem essas referencias consegue perceber. Há também as super produções televisivas onde a própria linguagem da telenovela pega carona na linguagem cinematográfica (ângulos de câmera, fotografia, direção, esmero no figurino, etc...) ressaltando a qualidade técnica. Também é legal de se estudar, quem se interessa.

Confesso que não sou tão fã de telenovelas, mas quando dá assisto um capítulo aqui, outro ali (mas atualmente há sim uma telenovela que eu não perco, devido ao cunho histórico-sócio-cultural dela), pois é inegável que estou diante de um fator comportamental de meu tempo, e também uma fonte de inspiração (como artista que sou, procuro estar aberta para absorver o que me chega).

Quando visitei esta exposição itinerante “60 Anos da Telenovela no Brasil” viajei observando os primeiros maquinários, gravadores, scripts, aparelhos televisivo, figurinos dessa engrenagem das telenovelas, imaginando como foi difícil dar o primeiro passo... felizmente esse meio é feito de pessoas geniais e também meio maluco-beleza: os chamados visionários, que foram tachados de lunáticos por terem um olhar mais profundo das coisas, cujas respostas o tempo se encarregou de mostrar a todos.

Havia bastante gente interessada na exposição, felizmente. Foi legal também observar a exclamação no rosto das pessoas mais velhas em contraponto das expressões da ‘garotada’. Tinha senhoras – senhores também – que não se continham nas exclamações, pois devido à idade deles percebia-se que foram privilegiados de terem acompanhado essa evolução de pertinho. Acho que foi até melhor eu ter ido só, pois desse modo pude absorver tudo no meu tempo, sem interferências. Quem puder e se interessar, vá a essa exposição, que é sim um pequeno recorte de nossa história recente e em constante mutação/evolução. Muito legal.


Katiuscia de Sá
26 de julho de 2012
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