“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Minha Pátria




Por uma porção de minutos-horas fiquei-me a pensar e a me levar por isso. Respirava Vicente. Era a única resposta para meu comportamento flutuante desde então. Depois que conheci tão enigmática presença impressa na realidade impalpável das coisas, nunca mais meus olhos e sentidos foram-me egoístas. Daí pra diante tudo era de outras cores e paladares, outros ouvidos e cheiros. Estava eu em um mundo distinto – um que ele conhecia melhor do que eu, há minha exata idade – e que por bondosa afeição, permitiu-se invadir. Invadir com consentimento, se sabemos o que isso significa em terras longínquas, terras estrangeiras. Do mesmo estrangeirismo que eu tenho desde que aqui nasci. “Encontramos nossos iguais”, uma voz dizia-nos a todo instante em silenciosa presença de espírito em mim e nele, Amor.

Pisava em chãos nunca antes imaginados por mim, e que agora estavam todos ali, bem a minha frente, como criaturas e perfumes etéreos, ou talvez eram apenas o toque de suas mãos, e pernas...? Deixava-me ir, (até ao Inferno ou Paraíso, caso assim o fosse). Deixava-me ir até o Fim-do-Mundo, se assim ele o desejasse. Era eu apenas divagações de um sonho maravilhoso e poético. Estávamos como ar que se respira um gigante ou um dragão alegre pelos ares, um Fogo de três labaredas, o Coração.

Outra Beleza. Instantânea Beleza que ao passo material enganoso dos olhos apenas ele e eu podíamos alcançar. Era um monte, ou um sorriso infantil, ou mesmo um piar de pássaro. Podia ser eu, ou ele, ou ambos em um ao mesmo tempo... deixava-me ir, porque éramos uma só imaginação fértil – Literatura e Vida.

Disso tudo, o que ainda me mantinha ancorada em terra eram seus olhos sem sono, que eram os mesmos que os meus quando me via em qualquer espelho. Seus olhos nasceram em meu rosto, e meu rosto era o dele agora. Outra beleza. Fina, etérea, indescritível, impensada e intocável. Éramos ambos, outra Beleza inalcançada e enroscada um no corpo do outro... uma alma dentro da outra, Árvore da Vida.

E as palavras, e seja qualquer outro artifício impossível de nos alcançar, apenas ele e eu sabíamos o que éramos juntos, pois Éramos Juntos – universo de livros e fadas. Um assombro de Vida em corações pequeninos e sem corpos de sangue, fora de nós num único pedaço de Vida Cintilante por aí. Outra Beleza... não desse mundo, do mundo dele, em que agora eu habitaria junto daquela respiração que tinha seu nome por Toda Eternidade. Ele era minha Pátria desde sempre, minha respiração e Fogo, Vicente.

Katiuscia DeSá
23 de novembro de 2009

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