“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

sábado, 16 de junho de 2012

O MORRO DOS NAMORADOS



*Homenagem ao meu avô Benedito Benício de Sá, (in memoriam), pelas noites de contação de histórias; pelas melhores lembranças de minha infância; pelos momentos de folia trazidos de seu Sertão Nordestino, que povoa meu imaginário.

Prometeu dizer a qualquer dia a todas aquelas meninas do vilarejo a lenda dos namorados. Com seu semblante duro e triste, tomou-as das mãos o cravinho embrutecido de lábios mais vermelhos, e separou o bonito cravo por entre as rochas. Todas sentadas em roda. Subiu na montanha e num grito precipitou a elas, como teria dito à sua companheira de outra vida, um sonho de estrelas, como o domínio de seu amor regalou os mundos...

Foi o destino, vestir a camisa do menino num Cacão de Fogo. Colocaram armas e uma blusa vermelha junto com a bagagem do menino. E um morto-vivo revoltou-se na terra! Era a maldição de caminhar, para uma alma atormentada no Morro dos Namorados.

“Tabua do mundo perdoa-me, dentre as vírgulas de todas as mortes de hoje e de ontem... eu enlouqueço a cada dia por tudo o que fiz...”, dizia aquele matador dos sertões, em busca de uma viva-alma para perdoa-lhe os pecados, todas aquelas mortes encomendadas! “E eu falei isso ao menino – o meu amor...”, a melodia ecoando pelo vento ateado de todo aquele espaço em branco. Um céu regenerado e as pessoas do povoado todas mortas pelo chão... e lembraram daqueles passos dos namorados em pleno sol do esquecimento. Era a lama da maré que soprava a imagem de um amor ressecado nos sertões sem chuva...

Olhos de cão perseguido... “Tabua do mundo perdoa-me!” Uma infinita dor na alma, sem a flor de seu amor... o matador esquecia-se do próprio nome; revoada dos sentidos; explosão escalpelada de sentimentos. O sino da igreja calou-se, sangrou pela terra seca, umedeceu raízes dos cactos. Um massacre naquela terra seca de chuva, agora seca de vidas... falou ao menino, o meu amor.

Escapava-se despreocupadamente a arma nas mãos do matador. Ainda com o cano quente e cheia de pólvora queimada... tinha ido cumprir um dever há dias pago pelo coronel de outras esquinas do sertão. Esqueceu, porém, que o grande amor de sua vida morava naquele vilarejo que depois destas tragédias viria a se chamar Morro dos Namorados, sem nenhuma alma viva para recordar e contar os fatos, ainda os olhos do Cancão em brasas!

Lágrimas corriam nos rostos daqueles cravinhos novinhos e sem nenhum vicio do mundo... era uma historia triste que ele contava sofrendo versos em vento nas terras do Morro dos Namorados. Mas era “Morro” de morrer, e não de monturo de terra. Parecia que aquele céu abrazantado cheio de sangue estava evaporando pelos olhos dos cravinhos chorando pela tragédia cantada ao violão dos fatos. Uns versos duros, rimados pelas notas secas do violão falador.

Palavras soltas, lembranças imersas, a lendária melodia solitária: “prometi dizer-te, tu – menina enamorada, a história dos domínios de meu amor... Foi vestir a camisa da criança, vozes das velhas rendeiras... os domínios de meu amor... o morto-vivo voltou das terras com o jardim em suas pernas... abriu a caminhar para os domínios de meu amor... tabua do mundo perdoa-me!”;

Os versos das velhas nos violinos do sertão, lembrança do cantador... o Morro dos Namorados, ladainha nas letras do Sertão. Era de tardinha, e o céu começava adormecer e os cravinhos todos sentados em roda ouvindo aquela canção.


Katiuscia de Sá
14 de junho de 2012
00:26h

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