“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

domingo, 27 de novembro de 2011

OS CINCO DEDOS DAS MÃOS

*Para Afonso Carlos

“eu já estou no Ano Novo... mas os outros, não!” Ela deixou Olhos de Mato e Mar compreender o que sentia, deu-lhe mais um mês de espaço.

“eis nossa diferença de ‘tempo’... é o tempo interior e não o cotidiano...”, então Cabelos Sem Luz decidiu desacelerar. Ficou sem o mínimo movimento. Ela olhou diretamente para Olhos de Mato e Mar para ele compreender seus sentimentos por ela e também organizar seus Eus.

Mas o caminho dele seria complicado agora, pois ela o deixou a cargo de suas próprias personas: e uma queria isto, a outra queria aquilo, e ele – ele mesmo, queria Cabelos Sem Luz, mas não sabia dizê-lo a ela... dava voltas sobre si – Olhos de Mato e Mar. Aborrecia-se ele, porque Cabelos Sem Luz – ela; calou-se e pôs-se a esperar.

Então, Cabelos Sem Luz agora espera, mirando-o com muito carinho e ternura, Olhos de Mato e Mar...

Este foi o primeiro pedacinho da história que Ave Que Não Se Sabe o Nome soube contar...


(continua...)

Katiuscia de Sá
22 de Novembro de 2011

* * *

Então a Ave – Aquela Que Não Se Sabe o Nome, continuou sua história. Disse que hoje o primeiro filho de Cabelos Sem Luz deu seu primeiro passo. Sua mãe não podia ajuda-lo a prosseguir, pois aprendera e ensinara seu rebento que o caminho o percorremos sozinhos. E depois de certo tempo haveríamos de nos encontrar todos. E assim aconteceu.

Então os olhos do rebento iluminaram a fronte de quem olhava pra ele. Embora quem lhe observasse, percebesse que lhe faltava uma perna, no entanto conseguia andar ele, e dava seus passos rumo à infinidade das coisas.

Enquanto Cabelos Sem Luz recomeçava a tecer outro rebento, seu primogênito estava cercado de estranhos, dentro do ninho onde estavam todos... e , continuava a encantá-los; mesmo sem uma das pernas...

(continua...)

Katiuscia de Sá
25 de novembro de 2011

* * *

Mesmo agora o primogênito de Cabelos Sem Luz passou a rodopiar dentro de um tufão, “ah que delícia flutuar sobre uma perna só!”, assoviava o rebento por entre as folhas e galhos. E lá se foi ele – o primeiro! Gostava da noite, da cantoria dos sapos dizendo: “fui... fui... fui...”, mas: “fui pra onde?”, pensava aquela criança de uma perna só.

Dele tanto curtir a noite sua pele ficou negra. Escondia-se por entre os cepos e cantinhos escuros das matas. Ficava apenas seu sorriso de fora aparecendo e seus olhos redondos de amêndoas a cintilarem pelas folhas. Que linda criança feliz a rodopiar nos cata-ventos...

Ainda agora Cabelos Sem Luz sentia Olhos de Mato e Mar, ele estava em seu coração queimando feito estrelas à beira do sol, “eu sei que é você quem está em minha alma, correndo e sorrindo para dentro de mim...” , disse ela para aqueles Olhos de Mato e Mar.

Então ele a invadiu de vagarinho... inundou-a com seus sentimentos inexplicáveis. Cabelos Sem Luz (porque eram negros igual à noite sem Lua), deixou Olhos de Mato e Mar inundá-la de sentimentos, e deles nasceriam outro rebento, “mas dessa vez esse teria as duas pernas” – prometeram ambos!

Agora estão unidos na estrada Cabelos Sem Luz e Olhos de Mato e Mar... das letras indizíveis do coração de ambos a alma dele vem na boca dela, beijando-lhe invisível no silencio de todas as Horas.

(continua...)

Katiuscia de Sá
27 de novembro de 2011


Depois de muitos dias quieta num galho, apenas observando para dentro, Ave Que Não Se Sabe o Nome voou para longe, muito longe... carregava escondido por entre as plumagens do seu peito, uma saudade indizível e inominada de seu Amor. Voou para bem alto, acima de todas as nuvens do céu, e depositou lá essa saudade. Dizem que nos dias de chuva, é o choro dessa Ave – a saudade deixando cair na terra lágrimas de chuva...

E depois que ela – a Ave, retornou ao chão, recomeçou sua história. Disse que alguma coisa aquele outro havia deixado: a maturidade que hoje nasce como a flor sem espinhos, a flor que os cinco dedos das mãos de Cabelos Sem Luz e Olhos de Mato e Mar seguram juntos.

Outro dia conversaram – cada um pregava uma tábua na mesma ponte e com os cinco dedos das mãos, ambos a enlaçaram nas margens. Atravessavam quando queriam e quando podiam... foi isso que Ave Que Não Se Sabe o Nome pôde soltar dessa história, pois ela ainda voa bem lá no alto puxando saudade das penas jogando para as nuvens o mesmo branco de seu peito. E toda vez que chove, são suas lágrimas de saudade...

Eles miravam o céu. Um dia outra noite, a madrugada e a noitinha eram deles, só deles... Olhos de Mato e Mar era cego, e Cabelos Sem Luz era surda... ele cantava passarinhos ela não o respondia; ela pintava paisagens de amanhecer ele não via. Resolveram tudo por telepatia!

Foi quando Cabelos Sem Luz pintou os olhos dele: um de Mato outro de Mar, e ele viu! Depois ele soprou no ouvido dela: “Amor...” e ela ouviu.

Eles conversaram. Estavam no meio da ponte dependurados de cabeça para baixo. De frente viam o céu, de costas viam o rio que corria de baixo da ponte. Optaram olhar o céu... pois as águas que correm nunca serão as mesmas, e o Tempo que passa nunca será recuperado. Mas o céu... o céu sempre estará lá para os namorados.

Ouviram-se eles ainda agora, quando o sol beijou a terra. O coração de Cabelos Sem Luz veio à boca, era a voz dele... E Olhos de Mato e Mar tinha os olhos verdes nesse período... ficavam assim quando apaixonados demais por Cabelos Sem Luz. Virava capão selvagem; muito serrado e faceiro: Verde, como ela os preferia...

Porém, quando também ele a tem em olhos azuis, Cabelos Sem Luz igualmente o enamora, pois está ele em fluído, tão etéreo: o Amor puríssimo e delicado, a acalmar os sentidos dela, invadindo-a por inteiro de ponta a ponta, então ela vira éter e corre em direção aos azuis de Olhos de Mato e Mar, torna-se sereia dele; ela veste seus cabelos negros como roupa e segura um espelho e uma espada, e o defende de tudo abrindo caminhos... Caminhos para ambos seguirem em frente, onde ninguém mais passa!

O sal esquenta na comida; o sol range nas flores; a Luz regenera os fatos da vida; os pássaros entregam-se ao abate da cópula – o Amor não tem cura... por isso Ave Que Não Se Sabe o Nome voa entre os céus soltando suas penas brancas do peito pra fazer chover no mundo, a Água da Vida. É o Amor indizível e inominado – a própria cura. Aquele círculo que se fecha e abre para fechar-se novamente abraçando tudo que vem pela frente, as águas que rolam de baixo da ponte.

Então eles tornaram-se Um - a ponte que os cinco dedos das mãos teceram em acordo. O sexto dia era o estado mais interessante... ouviam-se sem falar. Viam-se sem estar presente. Sentiam-se sem se tocar... amavam-se intensamente sem ninguém suspeitar. Isso era o que Ave Que Não Se Sabe o Nome dizia daquela gente, eles: Cabelos Sem Luz e Olhos de Mato e Mar.


(continua...)

Katiuscia de Sá
06 de dezembro de 2011.

* * *

E no decorrer dos dias abriram-se as natas no peito de Cabelos Sem Luz – um jardim de Afonso rodeava toda margem do rio que passava debaixo da ponte deles. Com seu rosto iluminado, Olhos de Mato e Mar perdia-se naquelas flores tão amarelinhas feito sol que nasce no céu amanhecendo. Brincavam umas com as outras, as flores, quando o vento passava balançando o ar com sua presença invisível, então estas quando se afastaram, devido ao vento, emergia o rosto do Caminho de Rivera.

Cabelos Sem Luz partilhava do peito dele – seu Amado, a mesma esperança amarelinha e o mesmo Amor que tecia o segundo rebento, sendo o infante feito pelos cinco dedos das mãos de ambos – um filho. O caminho de Rivera estava abrindo-se. O casal lia cada parte do livro. Cabelos Sem Luz dormia... e acordava em Rivera; Olhos de Mato e Mar organizava os tecidos e as fraldas, o rebento estava por vir – o segundo.

No caminho de Rivera, Cabelos Sem Luz imaginava e escrevia, mais outro dia sem Ondina... flertava com as espumas junto aos barrancos. Jazia humilde em torno dos muros de Rivera, Ondina. Fertilizava o coração do rebento por vir. Ele revirava-se no Além das coisas. E as pontas dos dedos sentiam a pressão do choque, Ondina...

O casal chegou ao silencio... estavam Olhos de Mato e Mar e Cabelos Sem Luz junto a Rivera, encontraram Ondina à sua espera. Ondina entrou em ambos acumulando mais força ao rebento por vir, o segundo filho. Este teria três partes e dois pedaços, repletos e completos pela linha do Tempo – Platão. Seria mental o filho de ambos, o Segundo.

Após decifrar este pedaço da história Ave Que Não Se Sabe o Nome soltou um cântico... era o mais Belo dos Belos, o Amor apenas para Afonso: o jardim. Então ela – a Ave, batia suas asas rumo ao sol, indo aninhar-se no coração de seu amado... e depois voaria de volta ao chão como gente, quem sabe... E continuaria sua história.

(continua...)


Katiuscia de Sá
08 de dezembro de 2011


De volta ao Caos! Houve uma grande explosão de sentimentos e letras, onde todos foram queimados – este era o Coração! Devastado... Quanto mais a Ave chorava e sofria... mais bela e magnifica tornava-se! E ainda pouco, os vivos – com suas chagas abertas, entupiam o meio da passagem. As válvulas todas se soltaram, menos o vapor que continuava apavorando as plantas, que sem ver o sol, choravam pela falta de Luz. Faleceram lentamente, todas elas coitadinhas: as esperanças.

E o pouco que restou, ela, a Ave – carregava como escombros sobre o peito nu. Com os olhos marejados, enxergava as distorções lá do alto... não queria mais pousar; nem comer; nem beber, não queria mais viver... não viraria mais gente. Não era gente, nunca o foi! Era Ave Que Não Se Sabe o Nome. E jamais falou novamente nem cantou. De sua língua nasceu um musculo seco e rijo: uma corda sem som... a Ave que não canta.

Depois que retornou ao Caos, Ave Que Não Se Sabe o Nome voa para sempre sem pousar ou aproximar-se das gentes... nunca mais virou mulher ao chão. Sua desgraça branca arrancada com as penas do peito, seu tórax ardendo com o sol abafado nas nuvens, um coração em pedaços!

Todavia, Ave ainda sabia contar histórias. Então sussurrava para os ouvidos que restaram no cepo das árvores mais altas, aquelas próximas ao céu, onde Ave habita. Só lhe restaram as letras... as letras, apenas. Ela devia encontrar sua completude e organizar-se em torno disso. Tudo sempre ainda estava sendo escrito, ou por escrever... “eu nasci para ser sozinha, como os livros”, o ultimo acorde da Ave – aquela Que Não Se Sabe o Nome.

Amanhã é outo dia.

(continua...)

Katiuscia de Sá
12 de dezembro de 2011


* * *

As resinas da Mentira acalabouçando as plantinhas, pobrezinhas: as esperanças... depois que sua língua virou galho seco de corda sem nota, Ave seguia sem rumo, um pensamento linho de pano e cordão. Seus olhos doíam de tanto chorar. Sua boca seca sem música – o amor estava preso, o adubo dos dias degenerado! Houve um dialogo. Este pôs tudo sobre a mesa e devorou-lhes os presságios e ações. Haveriam de repensar tudo corrido até agora – as decisões! Então as águas de baixo da ponte.

As águas rolando,

E rolando...

E rolando...

Cabelos Sem Luz voltara sereia que um dia foi. Viu seu corpo violado sobre o chão, e depois as pernas virando cauda de peixe. Nadou naquelas águas com seus cabelos de algas. Devolveu o sabor do sal ao líquido. Devolveu aos peixes a alegria de estarem vivos. Mesmo assim Ave não quis retornar ao chão. Saiu das Águas, ficava voando em rodopios sobre os seres, com seu coração aos prantos... seria saudade por mais uma semana.

Soltou um “pio...” a espera de outra ordem. E nisso soou “eu descobri você”, disse aquela voz dentro da cabeça dela e dentro da cabeça dele – as ondas quebrando nas pedras. As águas do rio rolaram para o Mar, então! Olhos de Mato e Mar e Cabelos Sem Luz afogaram-se um no outro, tudo era tarde demais. Estavam ambos sem forças...

“Um beijo, apenas um beijo...”, sussurrava o vento feliz no meio das flores daquele jardim, Afonso.

Ave Que Não Se Sabe o Nome cantou uma guaraña triste sobre as águas. Foi mais uma despedida. Amanhã é outro dia... não será, posto que já é – o coração único dentro do peito daquele filho em gestação, o segundo. Depois da conversa, eles decidiram o nascimento deste. Então os cinco dedos das mãos emaranharam-se novamente, Olhos de Mato e Mar e Cabelos Sem Luz.

E Ave – aquela Que Não Se Sabe o Nome, voava, aguardando o decorrer desta semana que seria saudade outra vez... chorava suas penas brancas sobre a terra. Seus olhos doíam de tristeza. Sentiria e passaria fome outra vez, posto que seu alimento era Amor... pensava em matar-se pela ultima vez e definitivo, não adiantava viver na solidão!

Então ela, a Ave, voou com sua total força rumo à tempestade acima de todas as nuvens. Atravessou chuvas, ventanias. Relâmpagos devoraram seu coração, eletrificando seu ser com toda fúria e rasgura dos céus – um buraco negro que sorve as coisas... os dias frios transformaram Ave em algo incompreensivelmente belo e afastado do mundo. Tão belo e alvo, as penas arrancadas e jogadas à terra os pingos das chuvas, a Água da Vida.

Ela chorava sufocada de dor... não podia mais cantar – a coitadinha. Seria saudade por mais uma semana. As águas rolando de baixo da ponte...

Então ela fechou sua vista foi para dentro outra vez. Voou sem olhar para trás. Ave em extinção queria morrer, encontrar os seus... voltar para Casa. Não aguentava mais o peso do mundo, e viver sozinha por entre as nuvens na insuportável incerteza – aquela semana, a saudade novamente.

Passaria fome outra vez, posto que seu alimento era Amor... neste mundo ela – a Ave, não recebia Amor... fechou a vista e olhou para dentro, escurecendo o coração, não lembrando de lugar algum e de ninguém. Fechou-se num galho – o sono eterno. Ave Que Não Se Sabe o Nome morreria, enfim! Ultima de sua espécie, sem companheiro e sem Lar... restou apenas a lenda de que um dia existiu uma mulher que virava Ave Que Não Se Sabe o Nome. Ela, então alcançou o silencio eterno e a boca sem voz.

Não contaria mais histórias, não cantaria mais belezas, deixara de sorrir há muitos séculos. Muito engodo e trapaças no mundo mataram a bela Ave, foi de fome... não havia mais Amor no mundo. Seu sofrimento foi maior do que o Tempo e a Solidão, indo Ave, dormir para todo sempre – a morte.

Então, a história de Olhos de Mato e Mar e de Cabelo Sem Luz ficou pela metade. Nunca ninguém soube como era Segundo, o rebento. E ninguém soube se este realmente era feito de três partes e dois pedaços ou se mesmo ele existiu. E não sabiam dizer se a ponte entre os namorados perdurou a todas as trapaças e engodos dos mundos, mas as águas continuavam rolando debaixo da ponte, a Vida.

As pessoas apenas souberam que nos lugares remotos da terra um dia viveu uma mulher que virava Ave Que Não se Sabe o Nome... e que ela morrera por falta de amor na Terra – o Verbo foi embora do mundo!

(continua...)

Katiuscia de Sá
13 a 17 de dezembro de 2011

* * *

Então após muitos anos passados, pois estamos no século 200 agora, Ave que havia sumido, voltava com os pingos das chuvas, que eram vermelhos por causa de tanto sofrimento que seu coração virou liquido acariciando a terra quando jorrava do céu. A ferrugem que os humanos respiravam em suas narinas. Da Ave, seu canto formou-se trovões, ganhavam todos os cantos. Era o Canto remoto dela, Ave – que retornava aos poucos.

Apenas lembranças ela restara. Entretanto, ninguém mais sabia como era a lembrança do Amor. Tudo era holofote agora, as recordações não estavam mais nos livros nem nas memórias, eram plantadas num campo, e quando todos queriam lembrar-se de algo, mesmo não vivido, recolhiam uma plantinha e mastigavam os talos – chegavam as intuições amenizando o vazio.

Entretanto, Segundo – o rebento de Olhos de Mato e Mar e Cabelos Sem Luz, era... alguém o viu, e disse que foi bonito, e tinha realmente três partes e dois pedaços, e seus pais (os namorados em cima da ponte dependurados olhando o céu), os fez com suas próprias mãos. Houve um momento sim, que acharam em desistir, porém Segundo – o rebento deles, foi mais forte ainda: nasceu! E vingou!

Com os verdes olhos do seu amado, Cabelos Sem Luz resolveu as questões da Alma: abriu seu peito expulsando as incertezas. Delirou ao seu par todos os segredos dantes nunca revelados. Silenciou seu interior e Olhos de Mato e Mar deu o primeiro passo... ele a tomara pelos braços, e a levou até seu coração, que era cinema. E ficou surpreso, pois o dela também era cinema; então juntos irradiavam Luz e movimento: os sonhos que os outros viam.


(continua...)


Katiuscia de Sá
27 de dezembro de 2011.

* * *

Alguns vadalos-simbus aproximavam-se perto da passagem de Rivera. Então de repente, ouviu-se um tilintar – era uma pétala vermelha de rosas desabrochando escancaradamente pelo chão do Jardim de Afonso. Os vadalos-simbus, vendo tal significado, correram enquanto dava tempo... porém, aquela cor de sangue molhou as patas deles, indo todos tornarem-se chão, junto às raízes. Mais umas árvores nasciam em redor daquele jardim, tudo isso em proteção do caminho de Rivera, onde somente os escolhidos poderiam atravessar.

Isso foi antes de estarmos no século 200. Ave, ainda sobrevoava as gentes, olhando tudo lá de cima e armazenando na memória todos os povos. Um dia ela – a Ave, pousou rente ao jardim de Afonso. Suspirou algumas plantinhas, arrancando-lhe os talos com o bico. Doeu no chão. Mas ela continuou bicando até furar a terra. Dali brotou um olho d’água. Era azul, a tinta que Cabelos Sem Cor pintou um dos olhos de seu amado.

As ervas arrancadas pela Ave, eram daninhas... tudo foi arrancado... tudo foi arrancado... e cuspido! O jardim ficou puro e branco outra vez. E no chão flutuavam algumas plumas do peito da Ave, e o céu empalideceu e depois escureceu. Mergulhando o mundo numa sombra profunda durante muitos e muitos séculos, até chegarmos agora, quando Ave retornou e continuou sua história, que era de amor entre os namorados dependurados na ponte e que olhavam para o céu. E as águas rolando, a Vida.

E aqueles corações de cinema fizeram nascer Segundo, o rebento de seus pais: Olhos de Mato e Mar e Cabelo Sem Luz. Custaram tantas mentiras arrancadas do jardim de Afonso para que Segundo pudesse refletir nos olhos das pessoas. Mas ele nasceu e vingou, como foi dito pela ervinha mastigada, que agora era lembrança.

Houve uns dias em que aquele jardim virou sombras... o escuro total do peito das pessoas. Tão negro e distante, sem flores, nem lama. Nada havia lá naquele terreno. Somente medo e solidão. Um abandono feroz feito animal selvagem castigado por uma jaula. Nada vingava ali, até que Ave pousou e rasgou o chão com o bico, fazendo brotar água. Entretanto, mesmo lindo, o jardim continuava ermo. Ninguém o atravessava, pois ninguém conseguia chegar perto...

Mas um dia Ave retornou, e pousou ali novamente. Então fez um ninho. E ficou aconchegada pelo resto da vida, depois que retornou dos pingos vermelhos da chuva. Esse vermelho tingiu as pétalas do jardim de Afonso, que eram todas serenas e também verdadeiras. O jardim conseguiu finalmente conversar com aquela Ave Que Não Se Sabe o Nome. Quem puder travar passagem no caminho de Rivera, poderá vê-los ambos juntos, um dia...

(continua...)

Katiuscia de Sá
30 de dezembro de 2011.

* * *

A sabedoria do Universo coloca tudo no seu devido Lugar, Espaço e Tempo. E aquele povo humano, mentiroso e falho desapareceu do planeta, aportando outros feitos dessa matéria intima e diversa, que o Universo compõe – as folhas novas dos novos troncos da mesma Árvore. As daninhas – jogadas ao fogo, retorcendo na dor sem limite na mente e nos corações entregues ao desespero sem fim.

O Amor quando se torna fato, ultrapassa todos os ditames do inteligível e do entendimento das criaturas falhas... alcança a perenidade e serenidade. Está a salvo. Não importando as maledicências; não importando as invejas e calunias; não importando os conflitos gerados... tudo isso se torna pó no esquecimento, em comparação a fortaleza do Amor que rege todas as coisas. O Amor vence as barreiras internas ou externas, seja de tempo ou falta dele. Vence até a natureza dos seres e as Escritura das coisas. Pois o Amor é a própria Vida, as águas rolando debaixo da ponte. Matéria maleável nos cinco dedos das mãos, que se molda conforme a Vontade do Universo.

Ave não desejou mal àqueles que dela se compraziam na inimizade, na mentira, no engodo, na inveja e interferências negativas... pois aquela Que Não Se Sabe o Nome tinha conhecimento de que estes seres já estavam condenados desde o dia em que praticaram a primeira maldade contra si mesmos... o caos estava alojado em seus corações e dali não mais sairia, nem mesmo agora no século 200, quando tudo se mastigava em lembranças plantadas e escolhidas.

Quando todos os que dormem recobrarem os sentidos, ainda assim o Amor reinará, e este ultrapassa você e eu... Enquanto houver Vida em qualquer esfera, lá estará o Amor pulsando nos corações dos apaixonados, eternamente pulsando e revelando a natureza do bem e do melhor dos mundos, regendo as manifestações douradas nos céus, com as estrelas de todos que conheceram, lutaram e venceram em nome desse Amor genuíno e farto – a Vontade Suprema.

Não há falhas nem enganos quando o Amor se manifesta. Não há certo nem errado, existe apenas o sentimento que rasga tudo que dele for contrário, pois a energia maior que ordena todos os Mundos é Amor, e ele só reconhece quem dele se faz intimo. É desse Amor que Cabelos Sem Luz e Olhos de Mato e Mar falaram naquele dia... Hoje!

E esse Amor vive ainda. Está aqui, ali, em mim, em você... em todo lugar. E para sempre...


Katiuscia de Sá
31 de dezembro de 2011.

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