“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A BELEZA DE ADALGISA





“Ai meu Santo Cristo! Aí vem ele...”. Adalgisa Amália arregalava e girava os olhos a procura de algum buraco para se enterrar. Interessante esse estado adolescente de timidez e vergonha do objeto de desejo, e este de Adalgisa era Frederico, o jovem mais bonito do todas as turmas do sétimo período; sendo Adalgisa o extremo oposto de simpatia, carisma, elegância e popularidade que esse rapazito loiro esnobava sobre si.

Nenhum buraco no chão, nenhuma fenda na parede para salvar Adalgisa Amália, inda mais que ela nem se destacava naquela multidão de alunos à entrada do colégio. Mas timidez de adolescente é fogo! A menina mal podia suportar a idéia daquele rapazito loiro passando ao seu lado. Certamente desmaiaria, caso acontecesse esta fatalidade.

Do nada, umas mãos com unhas negras giraram Adalgisa para sua direção. Era Júlia, a melhor amiga... ter uma melhor amiga numa hora dessas é de salvar a Pátria! “Adalgisa, o que fazes aqui? Nossa aula já vai começar... Anda!” então a menina franzina e de aparelhos nos dentes foi largada ao corredor rumo à sala de aula, perdendo-se imediatamente de Frederico, cujos olhos verdes nunca notaram a presença daquela figura esquálida, cheia de amores por ele.

Aos intervalos das aulas, achegava-se aquela pequena agonia (que só entende quem já foi acometido por esse friozinho terrível e petrificador, a timidez), invadia Amália. E ela nem era feia... apenas mantinha um padrão de beleza alternativo. Adalgisa não sabia que depois de alguns anos sua qualidade esguia de “minhocona”, como a apelidavam na pré-escola, a transformaria numa Super Top Model internacional. Entretanto, isso ainda estava por vir, por enquanto Amália não sabia como se declarar ao jovem Frederico.

Todos os dias ensaiava uma conversa espontânea com o garoto, como se o espontâneo fosse ensaiado... mas, ao menos contato prévio com ele, as grossas lentes dos óculos de Adalgisa embaçavam, sua boca secava evidenciando ainda mais aquele aparelho ortodôntico horrendo. E Amália não conseguia nem se mexer, indo Frederico embora tão rapidamente quanto aparecesse no corredor de entrada da escola.

Que sofrimento. Naqueles anos em que damos tanta importância a coisas banais... uma espinha nova no rosto é motivo de enclausuramento. Até que um dia a página do Destino resolveu dar uma trégua. (Será?). Indo Frederico e ela num passeio monitorado até à Pinacoteca da cidade. Adalgisa ficou impressionada, não com a beleza natural de Frederico, e sim com a burrice e desinformação do rapaz!

Frederico não compensava tanta asneira concentrada num só garoto! Em meio às obras de Arte, Amália estabeleceu novos parâmetros de Beleza. Um novo mundo! Ela foi transformando sua timidez, que nada mais era do que insegurança sobre sua própria aparência. Soube Adalgisa que Beleza e Cultura podem tornar-se Liberdade.



Katiuscia de Sá
21 de julho de 2010.

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