“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

sábado, 8 de março de 2014

QUANDO TUDO COMEÇOU


Desde a primeira vez que fiz, foi diferente. Mesmo sendo um pequeno exercício de campo. Sob o olhar de quem entendia. Já naquele momento ele soubera que algo grande estava em gestação, pois havia bem ali na frente do professor, uma semente rara em estado de potencia, que era eu... mas eu não sabia.

Depois que as luzes se acenderam dentro do quarto, a consciência dentro da cabeça caminhava em circunferência, levitaram meus cabelos e eu me arrepiei. Era o pensamento tomando conta de mim bem pela raiz. Abriram-se as janelas, cada uma com uma velocidade diferente para as dobradiças.

O sol pôs-se a passear lentamente pelo céu, como fazia todos os dias... já era costume sua luz invadir por aquela imperfeição bem no meio da porta. Não dava para consertar. E era justamente por causa dessa falha, que tudo se iluminava.

Eu sempre fui estranha para os outros. Gostava de coisas que ninguém entendia. Adorava a solidão junto à Natureza. Isolava-me passeando por entre as folhas e mato. Abraçava as arvores, e adorava os bichos. Não sabia conversar com as pessoas muito bem, faltava-me o idioma. E este eu descobri ao longo da vida, realizando e criando coisas inúteis.

Foi um dialogo difícil. Muito difícil... mas que no final, o esforço fora recompensado. Ao deitar todos os dias para dormir... ela não dormia. Ouvia o som da noite; as corujas piando ao rasgarem o céu em cima de si. Os grilos rangendo-se; os sapos festejando escondidinhos na umidade da lagoa. E se houvesse neblina, certamente a engoliria.

Gostava desses sons... como se ouvisse música. E ela criava enquanto todos a chamavam de imprestável. Ela inventava enquanto todos a faziam chorar e a assustavam... por isso gostava de ficar isolada no meio do mato... ali ela era igual a tudo, não incomodava ninguém, e nem havia gente para apontar-lhe o dedo.

Estava sempre de mãos dadas com o vazio. Às vezes chorava por não saber o que acontecia consigo. E em três momentos de desespero, quis tirar a vida – a sua própria. Só não conseguiu porque fora fraca o suficiente para acreditar em Deus. Isso a salvou de querer morrer de uma vez. Agora morre apenas aos pouquinhos... porque ainda consegue ver beleza e sorrir em curtos circuitos.

E mesmo assim, continua fazendo coisas imprestáveis. Continua sendo ela mesma... enfrentando todas as tempestades de frio. Certa vez, aquele raio de sol que invade através da imperfeição, a deixa feliz. Mas parece sonho. Coisa distante e que não dá para tocar. Então, vem o escuro... a sombra... e ela sempre criava seus filhos na penumbra. Talvez para evitar que sofressem como ela sofreu quando criança, que enxergava tudo, que via tudo... que sabia de tudo.

Mas com toda penumbra, eles escapavam... e conhecem a luz. E quando isso acontecia... não retornavam mais. E ela permanecia só como dantes, e como sempre fora. Permanecia enfeitada como uma ninfa rodeada de Natureza. Tão bela quanto a tristeza de todos os tempos. Imensamente jovem feito o desespero dos apaixonados que não podem ver seus próprios rostos. “Essa era eu... Ou essa sou eu” – assim estava escrito no conto.


Katiuscia de Sá
08 de março, às 17:02h


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