Um sono nababesco abateu-se
sobre ela. De repente suas pernas despencaram e seu tórax desejou o chão. Deitou-se
com ele. Quase desmaiada, com a cabeça amortecida por um dos braços, apagou por
completo; indo acordar em um lugar estranhamente decorado com peixes coloridos
empalhados e espetados sobre alguns móveis nus.
Suas pernas então ganharam vida
novamente. Contorceram-se em direção a uma porta entreaberta que enfeitava o
lugar. Do lado de fora ela viu um céu escarlate, repleto de pedaços de leite
flutuando como se fossem nuvens, porém liquidas e com sabor.
Não sabia tratar-se de realidade
ou delírio. Sabia tratar-se de perdição, pois a partir do momento em que seus
pés ganharam vida, eles a levaram para lugares nunca dantes imaginados. E este
era um deles. Quando a garota se deu conta de si, já estava sobre uma ponte
feita de madeira sobre um despenhadeiro profundo e inabitado. Apenas algumas
aves com cara de chinelos habitavam os céus. Um deles voou bem perto do rosto
dela, e até lhe soluçou um beijo.
Depois disso a garota acordou
com alguns transeuntes a sua volta, estes a chamavam... mas, ela não reconhecia
ninguém e nem que estava estirada na rua por conta de um baque (de carro,
talvez). Sentia-se tonta e não associou aquele céu azul ao céu escarlate que
dantes vira. Contudo, as aves com cara de chinelo ainda pairavam no ar.
E por conta de seus bicos
emborrachados, eles dobravam-se para todos os lados. Um par de aves pousou
perto, então a garota os calçou. Prontamente suas pernas ganharam movimento
outra vez, levando-a para perto da praça que havia ali. Deixou suas roupas no
lugar do seu corpo junto das pessoas que a socorriam.
E com as aves enfiadas nos seus
pés, foi caminhando sem muito obedecer a sua própria vontade. Diante disso, um
carneirinho dourado, de olhos bem negros com seu pelo bastante enroladinho, apareceu
e pôs-se a berrar. Dizia o nome do caminho que as aves com cara de chinelos
deveriam atravessar. Eles então deixaram a moça novamente estirada sob o chão.
E este chão já muito intimo
dela, agarrou-a e envolveu-a com vários arranhados da queda. A garota ficou parecendo
o céu escarlate que vira ainda pouco. Porém, sem as nuvens de leite a sobrevoar
sobre si. Estava tão absorvida reconhecendo o gosto de sua própria pele, que
mal escutava um transeunte que a recolhia do chão a lhe perguntar o nome...
Quando a moça pôde falar algo,
balbuciou quase derretendo sua voz numa coalhada de gelos: “meu nome é Lavínia
Silvana Doroteia”. E sua voz foi apagando-se com o passar dos ventos, indo
dormir à beira de um jardinzinho que ali havia por perto.
Katiuscia de Sá
Escrito
em: 27 de fevereiro e 04 de março/2014, às 20:57h.
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