“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

segunda-feira, 23 de abril de 2012

UMA NOITE ALUCINANTE

Então o ônibus de carcaça amarelada e meio gasta ia seguindo por uma estradinha também muito apagada confundindo-se com a própria cor enferrujada do chão. O solo por vezes, estava negro e com resquícios de carvão, pois havia sido incendiado; aliás, estava em constante incêndio... a atmosfera era igualmente alaranjada e repleta de neblina, devido aos constantes pontos de fogo...o céu era de um escarlate desbotado e não havia nuvens, e sim uma neblina morna por todos os lados. Era ali que tínhamos de descer para encontrar os sobreviventes! No ônibus havia cinco pessoas, dentre elas eu estava a observar tudo atentamente e sem medo, era apenas mais uma experiência.

O complicado de realizar esses resgates era o tempo que tínhamos para permanecer fora do ônibus. Normalmente apenas dois desciam, os demais continuavam dentro do ônibus olhando ao redor e prestando auxilio a quem saia à procura de sobreviventes. Em geral quem saia era eu e Joseph. Ele tinha um aspecto de velho, mas não era velho, apenas se parecia com um velho, pois com esse visual ele confundia a quem devíamos resgatar, e sua força era revelada apenas quando conseguíamos pegar os que nos pediam ajuda.

Minha tarefa era caminhar com passos firmes e com bastante convicção naquela escuridão miserável... eu não tinha medo e minha energia era tão forte que não necessitávamos carregar nenhuma lanterna, a Luz partia de mim, e por isso eu ia na frente para visualizar aqueles que deveríamos resgatar. Nesse dia, tivemos sorte, conseguimos resgatar uns seis ou sete, todos ainda em condições de nos ouvir e nos seguir para dentro do ônibus sem termos que nos esforçar para levá-los conosco.

O problema era o tempo que tínhamos para fazer isso sem que os maus nos detectassem fora do ônibus e se aproximassem para nos perseguir e nos aterrorizar... essa tarefa também ficava comigo, pois minha sensibilidade era maior, e quando os maus se aproximavam eu me comunicava dentro da cabeça de meus companheiros, e em total sintonia retornávamos para dentro do veiculo, e partíamos. Na equipe éramos dois do lado daqui e três do lado de lá... estes, permaneciam no ônibus reverberando ao nosso favor.


Depois que saíamos daquele lugar queimado eu retornava para meu corpo que dormia, a equipe de resgate nunca me deixava acompanhá-los para o pavilhão onde cuidavam desses que trazíamos daquele lugar horrível. Normalmente eu acordava depois, em geral bastante esgotada... eu saia do ônibus e caminhava para o meio de uma nuvenzinha branca e luminosa e fechava os olhos e então eu já estava dentro de mim novamente.

O que eu gostava desses sonhos era recordar daquelas paisagens diferentes, que com toda certeza, nunca poderia imaginá-las aqui no mundo real... esse foi apenas um dos muitos, muitos, muitos sonhos que eu tive durante meu período de infância até meus exatos 21 anos, quando esses pesadelos terminaram.

Às vezes eu sonhava com enredos de livros inteiros, eu vivenciando a trama junto com as personagens. Era uma brincadeira que eu adorava fazer, nos sonhos... Várias vezes eu sonhei que tinha aulas de desenho com Leonardo Da Vinci. Uma vez ele me levou a um museu enorme todo feito de mármore luminoso, eu era infinitamente pequenininha comparada à grandiosidade do lugar, lá estavam todas as pinturas dos mestres de todos os tempos, mas esse lugar não era no planeta Terra, e professor Da Vinci me disse que eram poucos os que dormiam que podiam ir naquele museu, era um privilégio eu poder estar ali; esse é um de meus sonhos favoritos, mais lindos e generosos! Às vezes eu sonhava que tinha aulas de pajelança numa tribo extinta... às vezes eu sonhava que tinha aulas de Física Quântica com Deus... haja imaginação! Era tanta coisa que eu sonhava... realmente minha imaginação sempre fora bastante fértil. Uma vez sonhei que eu voava sobre mim mesma deitada na cama, esse foi pauleira... eu ia completar 16 anos. Foi de tardinha, uns minutinhos antes das 17h, eu me vi dormindo sobre minha cama, meu corpo de verdade queria que meu corpo voador mergulhasse sobre mim, mas a sensação do voo e de liberdade era tão boa, que realmente eu lá em cima não queria voltar... fiz um esforço enorme, pois travava luta comigo mesma para retornar ao corpo que dormia sobre a cama.Fiquei esgotada o resto da noite e durante os dois dias subsequentes por causa disso. Desse sonho eu acordei muito, muito, muito cansada mesmo! Então decidi que quando eu estivesse dormindo eu não me deixaria seduzir pelas sensações, poi selas nos aprisionam.

Comecei a desenvolver a razão e meu controle emocional, e quando as coisas pioravam nos pesadelos eu sempre sabia voltar... acordava, e pronto! Minha mãe biológica nunca acreditou em mim, quando eu lhe contava estas coisas. Contei-lhe uma vez de meus sonhos, ela me ralhou... então percebi que não podia confiar nela. Eu tinha cinco anos quando pedi ajuda de minha mãe quando eu tive o primeiro pesadelo do qual consigo lembrar, e ela me deu uma resposta tão rude e de má-vontade que me fez chorar bastante, pela falta de amor que ela demonstrou por mim. Eu precisava apenas que ela me abraçasse e me fizesse dormir; mas ela me abandonou no escuro e me forçou a deitar, eu não consegui dormir nessa noite. Mas minha avózinha acreditava em mim, então ela medisse que todos nós temos um anjo da guarda, e ela me ensinou a orar para meu anjo da guarda antes de dormir. Nessa idade eu aprendi uma oraçãozinha tão bonitinha, que minha avó me ensinou.

Mas no geral eu me sentava na cama para não adormecer, pois eu tinha medo de sonhar e não conseguir voltar dos sonhos. Só dormia quando eu ouvia o acorde dos passarinhos saudando o sol. Isso já era por volta das cinco da manhã... eu olhava pela janela e via o céu clareando, então resignadamente eu me deitava e adormecia. Talvez por isso, até hoje, eu acho o momento mais lírico de todas as horas do dia, e a pintura mais linda do mundo que é o nascer do sol. Com o passar do tempo eu comecei a me acostumar com esses sonhos. O medo foi passando e a curiosidade imperando minhas ações no mundo onírico,então comecei a explorar aqueles lugares fantásticos e ver até onde eu podia ir.

Muitas visões de meus sonhos malucos eu recordo perfeitamente, e eles me servem bastante como inspiração para escrever meus contos fantásticos, meus roteiros e para minhas pinturas. Percebo que cada um de nós carrega um universo criativo bem dentro da gente, mas ainda não sei exatamente como o acessamos; no meu caso, isso acontecia desde criança e naturalmente. Com o tempo, aprendi a dominar esse mecanismo e sonhar acordada sem precisar fechar os olhos... o poder de imaginação que ajuda a linkar várias informações acelerando a compreensão do invisível inerente à criação artística.É realmente fantástico, acho que eu tenho um acervo ilimitado de invenção e inspiração para escrever contos, e essa “magia” ilusionista é característica principalmente da linguagem do audiovisual ficcionista. Eu acho isso muito interessante. Só essa breve lembrança já dá um roteiro... não é à toa que meu filme favorito é “Waking Life – O Despertar da Vida”, que por coincidência é um longa-metragem em animação.


Katiuscia de Sá
22 de abril de 2012
00h09

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