“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quinta-feira, 11 de março de 2010

um poema de *Alberto Caeiro

Imagem: René Magritte

Se eu morrer novo,sem poder publicar livro nenhum
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força.
Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva
-Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão
-Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e a chuva,
E sentando-me outra vez a porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraido.

Alberto Caeiro, 7-11-1915
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Uma, vez num encontro pra realizar um trabalho de faculdade, um colega de turma (Luiz Carlos), puxou-me o caderno e disparou a escrever. Ao terminar, dedicou a mim. Achei lindo o que li, era de Fernando Pessoa, melhor dizendo "Alberto Caeiro". Luiz Carlos é profundo conhecedor e admirador de Fernando Pessoa e de Machado de Assis, lembro-me da vez em que eu o presenteei com os volumes "Relíquias da Casa Velha", volumes raríssimos e que segundo ele, não são mais editados há muitos anos. Esses volumes eram da década de 30, se não estou enganada, meu querido avô tinha me dado de presente. Nunca consegui lê-los por falta de tempo ou disposição, sei lá... Resolvi entregá-los ao Luiz, dizendo que os volumes estariam mais bem guardados em suas mãos. Luiz sempre carregara na face uma serena solidão, naquele dia seus olhos brilharam, e ele sorriu. Nunca esqueci do rosto de meu amigo naquela tarde.
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*Alberto Caeiro é um dos heterônimos de Fernando Pessoa, poeta e escritor português, considderado juntamente com Luiz vaz de camões um dos maiores expoentes da língua Portuguesa.

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