“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

In Memoriam


Sou muito grata aos meus avós por serem meus fiéis e incansáveis jardineiros. Fertilizaram o terreno de minha imaginação com muita competência. Meu avô costumava derramar variadas sementes sobre mim e meu irmão quase todo fim de tarde, varando a noitinha. E nos travesseiros acomodando nossas cabeças, essas sementes brotavam.

Lembro-me destes momentos com muito carinho e saudade. Eram estórias sobre as estrelas, sobre Lua, sobre o Sol, dos animais, das nuvens, da floresta... Minha avó fazia-me intima de Bois-Tatás, de Yaras, de Boiunas, de todo um mundo mítico e encantado da Amazônia. Sendo ela descendente direta de índios, sabia todas as lendas de cor, e eu na inocente idade pedia-lhe todos os dias que me repetisse essas estórias.

Caso eles não tivessem guardado esse costume de acomodarem-se na batente da porta da casa, de tardinha, ao som das folhas sapecas escorregando pelo chão ao vento, com a única preocupação de acolher os netos em seus generosos braços e nos darem asas...

O primeiro livro que eu li na vida foi-me entregue pelas mãos calejadas de meu avô. “Menino de Engenho” (José Lins do Rego) ficou sendo até hoje um referencial para minhas próprias percepções da infância. E daí adiante, para abraçar as Artes, foi apenas um pequeno vôo, que até hoje faço graças a duas pessoas que não se incomodaram em “perder seu tempo” para conversar com crianças regando seus campos.

Hoje sou Flor, vôzinho...
Hoje sou Ave, vó...
Amo muito vocês, que estão no céu das estórias que nos tocaram, a mim e ao meu irmão.




Katiuscia de Sá
(sem data)

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