“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

PARA MEU ADORADO ANJO


Ele tinha os olhos tristes... gritava a ventania do lado de fora, agitando todas as folhagens e revelando as penas mais intimas dos passarinhos que já dormiam àquela hora parados a um canto dos galhos das árvores. Era noite. A mesma noite fria e escura que chorava dentro dos olhos dele. E ele sentara-se nu defronte à janela de seu quarto, e por isso mesmo a ventania o acariciava suavemente o corpo branco, tão alvo feito espumas de ressacas das praias mediterrâneas.

Então Ela o viu, mergulhou naqueles olhos tristes e ergueu lá dentro uma pequena cidade, que Ela chamou de “Lugar Encantado”. Noite e dia Ela trabalhava naquele lugar. Secava os prantos dele.  Mas não havia jeito... então, Ela teve a ideia de fazer um lago com aquelas lágrimas que a noite escapavam desesperadamente dos olhos dele. Vertiam mais e mais. Ela acolhia gota por gota em suas próprias mãos... foi um trabalho duro e intenso...

Como aquele lago fora feito sob a luz noturna, Ela o chamou de “O Lago Escuro das Lágrimas”. Mas não podia ficar sem nada. Eram águas tão puras que haveria de viver alguém lá dentro. Então Ela encostou seus lábios nos lábios dele, e da saliva de ambos nasceram pequenas criaturas aquáticas. Eram todas transparentes, como o coração dele... e todas aquelas criaturinhas brilhavam ao contato com o lago de lágrimas; e como cintilavam, o lago que fora criado escuro, agora era iluminado por causa do primeiro beijo que eles deram um no outro.

Às vezes Ela chorava também... porque a saudade era tamanha! Queria Ela tocar-lhe a pele branca de ressaca das praias mediterrâneas. Então, todas as noites frias e silenciosas, Ela transformava-se na ventania que acalmava o corpo nu dele. Ele sentia febres às vezes... não sabia ser o desejo aquecido dentro de si, por causa das lágrimas que tinham nome. O nome dEla...

Com o passar do tempo, Ela também ergueu uma cabana ao redor do lago. E durante o dia, Ela esquentava-se com uma fogueira que acendeu no lugar. E com aquele fogo aquecia o coração dele também. Mas a noite quando vinha, era fria... porque Ela não podia estar lá com ele. Houve um dia então, que verteram-se tantas lágrimas dos olhos dele, e o que antes era lago, virou um oceano. E as criaturas que nasceram do primeiro beijo deles multiplicaram-se fazendo uma imensa luz na água. Era tanta luz... que os olhos dele agora brilhavam por causa de tanto amor que Ela lhe tinha.

Então, os dias quentes eram mais suportáveis, e as noites tristes também. Ela sempre vinha-lhe refrescar o corpo nu deitado defronte à janela de seu quarto. E ele sempre dormira sem roupas para que a ventania pudesse deitar sobre si, e abraça-lo a noite inteira...



Katiuscia de Sá
18 de Fevereiro de 2014, às 10:07h.






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