“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Para Edgar Allan Poe – VII (conto)


Adorava passear perto das grades. Ficava horas observando as curvas e desenhos rebruscados. Conhecia todos os arranjos de cor de tanto que frequentava os arredores. Quando criança Guilherme preferia o caminho mais longo da escola à sua casa somente para ver aqueles portões enormes repletos de desenhos retorcidos em bronze. Eram tão altos que dava a impressão de irem tocar os céus.

Num inicio de tarde quando o garoto retornava a sua casa, resolveu aproximar-se mais para olhar dentro... e foi quando se apaixonou perdidamente. Aquelas paixões arrebatadoras da idade... era seu primeiro amor... e desde então tornou-se sagrado para ele passar por aqueles portões e parar um instantinho e olhar secretamente àquela face que tomara-lhe o coração.

Quando seu pai disse-lhe que seria mandado para o colégio interno no ano seguinte, Guilherme definhou... e como sempre o fizera desde tenra idade: chorou nos braços de sua querida mãe, como se suas lágrimas argumentassem para deixa-lo ficar. Na verdade Guilherme não suportava a ideia de que nunca mais veria aquele belo rosto angelical por qual se apaixonara.

Contudo, nessa decisão a mãe do rapazola não poderia interferir. Para que ele pudesse estar apto a futuramente ingressar no curso de Direito, haveria de passar pelo colégio interno. E era o sonho dourado do pai que seu único filho tornasse-se advogado! E em pleno 1898, era a moda afinal, nas rodas mais bem quistas da sociedade, que os varões das famílias abastadas, carregassem o título de bacharéis.

Mas os planos de Guilherme, na ingênua e sonhadora idade de treze anos, eram um só: passar horas encantado diante de sua figura amada. Ultrapassar aqueles portões e sentar-se ao lado da imagem perfeita do puro amor. E foi o que ele fez. Quando retornara da sua aula, escalou aqueles portões indo dormir nos brações de quem tanto contemplara.

Anoiteceu e nada de Guilherme. Seus pais preocupados chamaram a policia, que vasculhou os arredores. O corpo do rapaz só foi encontrado no final da noite seguinte. Guilherme sorria, entretanto... Como tivera a saúde sempre fraquinha, devido à friagem da madrugada, o rapazola não suportou a febre ao relento. Faleceu ali mesmo no cemitério, ao lado de uma estátua em tamanho família, que enfeitava a lápide de uma mocinha que falecera no inicio da década de 1800. “A moça virgem”, como chamavam a estátua que enfeitava o tumulo. Era a estátua da mocinha que morrera aos tenros treze anos, que nem Guilherme, bem ali à sua frente...


Katiuscia de Sá
05 de fevereiro de 2014, às 21:35h.

-------- 

*Leia também:


.

Nenhum comentário:

Postar um comentário