“o poeta é com efeito coisa leve, santa e alada; só é capaz de criar quando se transforma num indivíduo que a divindade habita e que, perdendo a cabeça, fica inteiramente fora de si mesmo. Sem que essa possessão se produza, nenhum ser humano será capaz de criar ou vaticinar.” [Platão]

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

LEMBRANÇA (conto fantástico)

*inspirado na melodia “To My Mother”, do album ‘Saving Mr. Banks’ (2013), de Thomas Newman.






Quando aquele momento repleto de sentimentos estendeu sua força ao vento, disse-lhe em segredo, que as nuvens choravam, mas era de alegria... pois em algum lugar secreto nascia uma pequena árvore que brotava corações, e estes ao serem ingeridos como fruta madura causavam um pequeno espasmo nas criaturas. Foi então, quando um minúsculo pássaro pousou num dos galhos daquela misteriosa árvore de frutos avermelhados e docinhos, que um cotidiano e jubiloso milagre abriu os olhos. E ao acordar e enxergar aquele pássaro de vestes marrons que havia ingerido um pedacinho de coração, o mesmo milagre percebeu que a criaturinha não pôde engolir tudo, pois sendo o fruto ainda menor fez a ave que a ingeria, engasgar o bico. Isso foi o suficiente para que o pássaro cantarolasse libertando-lhe daquela angustia.

Seu canto afugentou a noite, e fez com que os ventos soprassem em direção à Maria-Celeste. Esta se enrolava numa haste de plástico, e estava bem segura pelas mãos de uma criança que a saboreava. Era um excelente algodão doce, esta Maria-Celeste. Entretanto, quando o vento tocou-lhe as peles rubras... ela não resistiu, derreteu-se de carinhos pelo vento que a fazia sentir calafrios e a destruía do mesmo modo como uma onda suicida-se nas rochas sem poder conter-se ou decidir não morrer abraçando as pedras à beira mar.

Aquele sentimento desperto foi em demasia para um corpo não habituado ao sereno do amor. E depois que se desfazia pelos carinhos do vento, Maria-Celeste consumia-se mais e mais antes de alimentar a boca da criança que a segurava nas mãos. Derretia-se e manchava de rubro aquelas mãos pequeninas e desajeitadas.

Mas os olhos do milagre tinha sono... não conseguiam permanecer abertos a tudo que acontecia. E aos poucos o peso das horas causou-lhes cansaço e certa preguiça; deixando-lhe cair as pálpebras. Então, por intermédio de alguém maior do que aquele milagre que acontecia, as mãozinhas deixaram Maria-Celeste ser escorrida pelo vento, indo ela parar num córrego confundindo-se com os mesmos líquidos que seguiam seu caminho. Foram todos parar ao pé da árvore que brotava corações. Umedeciam o chão.

E Maria-Celeste que antes sentia o carinho do vento que lhe desfazia as formas, agora era como liquido em suco. Estava tal sangue a bombear um dos corações, aguardando tornar-se alimento de pássaros ou quem sabe, retornar ao Princípio, morrer e nascer árvore para gerar mais corações... e com isso fazer com que mais milagres também abrissem os olhos.


Autoria: Katiuscia de Sá
Em: 17/01/2014, às 20:32h.



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